É preciso tirar um curso e queimar muito as pestanas para qualquer função que se queira desempenhar. Caso contrário, somos dados como incapazes. Pelo contrário, para ser mãe ou pai basta ter um filho e o papel desempenha-se de acordo com os conhecimentos, experiência e sensibilidade que se tem. Os pais, e sobretudo a mãe, ocupam o centro de praticamente todas as experiências do bebé – sejam táteis, visuais, olfativas, gustativas ou auditivas – e será através delas que o bebé obterá as suas respostas de satisfação ou insatisfação, segurança ou insegurança, que terão necessariamente um papel fulcral no seu desenvolvimento psicológico.
Serão sobretudo as experiências de vida e da infância dos próprios pais e a forma como foram sentidas, a sua maturidade afetiva e os seus sentimentos inconscientes, que ditarão a relação que irão estabelecer com o filho.
Esta relação pode basear-se num amor mais voluntarioso e saudável, em que se oferece sem esperar nada em troca, ou num amor mais possessivo, em que os pais precisam dos filhos para se sentirem inteiros e realizados, ou seja, de certa forma um amor mais egoísta ou interesseiro.
Neste último caso, mesmo que inconscientemente, os pais esperam que o filho responda às suas necessidades, acabando por promover a sua submissão, esperam que ele aja de acordo com o que desejam. Todos os insucessos serão assim sentidos por ambos com maior severidade. Pelo filho, que junta à sua deceção a dos pais, e por estes, que sentem a frustração do filho como se fosse sua. Por vezes, sem se aperceberem, criam filhos como um prolongamento seu, não valorizando a sua autonomia e originalidade. Os filhos acabam por ter o papel de colmatar as falhas ou frustrações dos pais, sem poderem traçar um caminho próprio.
Embora quem está de fora possa sentir estas relações como narcísicas ou egoístas, quem está na relação – sejam os pais ou o filho – pode ter dificuldade em ver as coisas dessa forma, porque este funcionamento, que é um tipo de amor, embora mais absorvente, aparenta ser uma relação onde impera a dedicação e o cuidado.
Quando os filhos crescem e começam a tentar trilhar o seu próprio caminho, sentem-se cada vez mais presos a um amor abusivo difícil de transformar, o que seria, aliás, visto como uma enorme ingratidão depois de tantos anos de uma dedicação exaustiva. Os pais parecem dependentes dos filhos para continuarem também eles a seguir o seu caminho e este corte seria sentido como um enorme desagradecimento e injustiça. Alguns filhos não aguentam esta culpa que lhes é imposta e vão-se deixando ficar, mesmo que insatisfeitos ou incompletos.
Pelo contrário, um amor mais oblativo, o respeito pelas ideias dos filhos, pelas suas decisões, a preparação para a sua autonomia, para se libertarem progressivamente da segurança dos pais, criando a sua própria, fará com que os filhos sigam com determinação um caminho seu. As suas sucessivas conquistas no sentido do rumo à independência, a capacidade para se afirmarem, deixará os pais realizados na sua função paterna e orgulhosos pelos adultos seguros e autónomos em que os filhos se tornaram, em vez de criarem um vazio ou rancor e a sensação de abandono ou ingratidão no jovem que se quer emancipar.
Nas palavras de Khalil Gibran, escritor libanês, «Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas».
Psicóloga na Clinica Lab Rita de Botton