O rabiscador e a rabiscadora de linhas vermelhas são duas figuras muito importantes na política portuguesa e no folclore do terceiro mundo. As suas principais características são a superioridade moral, o desejo de salvar a Humanidade e, claro, uma cultura acima da média. Qualquer pessoa se pode tornar um rabiscador de linhas vermelhas, mas convém frequentar os retiros espirituais onde se aprendem os fundamentos da rabiscação. Ou seja, cursos de Sociologia, Jornalismo, História e outros que dispensem números. Porém, para alguns eleitos basta passarem perto do CES de Coimbra para ficarem possuídos pelas suas vibrações – algo semelhante à gravidez da Virgem pelo Espírito Santo – e desatarem logo a rabiscar.
O que os rabiscadores e as rabiscadoras aprendem nos retiros espirituais das faculdades é o seguinte: o Nazismo e o Fascismo são maus, mas o Socialismo e o Comunismo são bons. Já não existem governos nazis – exceto na Ucrânia –, mas o Fascismo está em todo o lado. Ou seja, o Fascismo não se distingue do sistema capitalista e da democracia burguesa. Por isso, os partidos de Direita, a História e a Matemática são expressões de uma cultura fascista destinada a oprimir coitadinhos que, conquanto não manifestem ideias erradas, são os pobres, as mulheres e as minorias diversas.
Quanto ao Comunismo, ainda que tenha havido alguns desvios como milhões de mortos, presos e deportados, é uma coisa boa que, por vezes, correu mal. Este princípio de que a teoria é mais importante do que a realidade é indiscutível, sagrado, e só as mentes fascistas se atrevem a questioná-lo. Nenhum rabiscador pode começar a traçar linhas vermelhas sem ter assimilado este mantra conceptual. O inferno não está cheio de boas intenções, está cheio de fascistas. E se o próprio Deus levou seis dias para criar o mundo, é natural que os homens levem algum tempo, seis séculos quiçá, para criar o paraíso na Terra.
Assimilados estes princípios, os rabiscadores podem começar as suas homilias, pegando na caneta com a mão esquerda e rabiscando para o lado direito. Mas, atenção, é imperioso colocar um ar grave, uma voz tonitruante e gestos dramáticos para que o povinho não confunda o aviso de uma ameaça apocalíptica com uma rábula do Diácono Remédios.
O problema é que o povinho não é instruído, não frequentou cursos de Sociologia, nunca passou ao lado do CES e, segundo as sondagens, tende a fazer o contrário do que os rabiscadores lhe ordenam. Por isso, se as coisas boas podem correr mal, também as más podem correr bem; ou seja, só resta aos rabiscadores pegar na caneta com a mão direita e traçar linhas vermelhas à esquerda. E se não resultar, pelo menos terão experimentado algo semelhante a terem mudado de sexo ou religião.