Era conhecida por ser bastante vivaz, dinâmica, talentosa, sensual e ousada. Por ter uns olhos brilhantes e trazer ao palco uma energia incomparável. Foi criada como católica e sempre disse que tinha dois anjos – um em cada ombro – Chita e Dolores. Segundo a própria, Chita era quem se dava bem com todos. A artista, a que vivia para agradar. Do outro lado, Dolores, era a mais direta, que dizia as coisas como tinham de ser ditas, sem receios. A sua filha dizia que quando ouvia Dolores, a sua mãe trazia à tona o seu lado porto-riquenho. O seu nome era Dolores Conchita Figueroa del Rivero Anderson, mas todos a conheciam por Chita Rivera. Morreu na terça-feira, aos 91 anos. A cantora, dançarina e atriz de origem porto-riquenha foi uma dos maiores ícones da sua geração na Broadway durante mais de seis décadas. Participou em musicais como West Side Story e Chicago. Segundo a filha, Lisa Mordente, morreu de forma pacífica em Nova Iorque, na sequência de uma doença recente não especificada.
Uma criança irrequieta
Nascida em Washington, D.C., em 1933, segundo a BBC, fruto de um casamento entre uma escriturária com origens irlandesas, escocesas e afro-americanas do governo e de um saxofonista e clarinetista porto-riquenho da Marinha dos EUA. Era uma dos cinco filhos e tinha sete anos quando o seu pai faleceu. «A minha infância foi muito segura. Éramos cinco irmãos e brincávamos, chateávamo-nos, ríamos, comíamos e fazíamos parte de um bairro mestiço em Flagler Place, em Washington DC. Em 1940, quando eu tinha sete anos, o meu pai ficou gravemente doente. Naquela época, as crianças não podiam ir ao hospital. Mas a mãe costumava levar-nos e ficávamos do lado de fora a observá-lo pela janela. Quando ele faleceu foi muito difícil para ela ficar sozinha com cinco filhos, mas de alguma forma conseguiu manter-nos estáveis», escreveu a bailarina na sua biografia publicada em 2023, co-escrita com Patrick Pacheco, e intitulada Chita: A Memoir.
Segundo a artista, em pequena, tinha muita energia. Costumava sair com as crianças da vizinhança, andar de bicicleta, de skate e ir ao cinema. «Era muito eclética e muito ativa. Pulava de um sofá para outro, cheguei a estragar alguns móveis. A minha mãe tinha de proteger as mesas e as cadeiras. Percebeu que tinha de arranjar uma forma de eu concentrar a minha energia», revelou. Por isso, quando a jovem tinha apenas 11 anos, inscreveu-a no ballet. Cinco anos depois, Chita fez um teste na famosa Escola de Ballet Americano, dirigida por George Balanchine e, após ganhar uma bolsa, viajou para Nova Iorque. Queria dedicar-se ao teatro musical e conseguiu.
De acordo com agência de notícias do Reino Unido, começou a sua carreira na Broadway na década de 1950. Começou como dançarina substituta no espetáculo Eles e Elas, de Frank Loesser, depois fez de coro em Can-Can, de Cole Porter e, a partir daí começou a sua busca por papéis maiores. «Para mim tudo começou em 1957, quando fui escolhida para o papel de Anita, a rapariga porto-riquenha que canta ‘America’ no espetáculo West Side Story. Foi mais do que um trabalho para mim, porque refletia as manchetes da época», admitiu na sua biografia. Depois disso, conseguiu o papel principal em Bye Bye, Birdie, ao lado de Dick van Dyke. Outro dos seus grandes papéis foi a Velma Kelly, na produção de Chicago na Broadway. Além disso, a artista trabalhou em televisão: tanto em episódios de séries, como no sitcom The New Dick Van Dyke Show. Apareceu ainda em vários programas de entretenimento.
Uma carreira brilhante
Segundo o The New York Times, o seu trabalho foi «eletrificante»: «Para gerações de aficionados de musicais, a Sra. Rivera era uma força elementar rodopiante, ricocheteante e pontapeante da dança. Era uma cantora sedutora de baladas esfumaçadas e jazz escaldante (…) Apareceu em inúmeras produções de palco em Nova Iorque e Londres, fez 100 mil milhas de digressões de cabarés e atuou em dúzias de filmes e programas de televisão». Em 2005, a Newsweek – revista de notícias semanal americana publicada na cidade de Nova Iorque e distribuída para os EUA -, chegou mesmo a batizá-la «a melhor bailarina de teatro musical de sempre».
Chita Rivera trabalhou até aos 80 anos. A sua última aparição nos palcos deu-se em 2015, em The Visit. Recorde-se que esta trabalhou durante vários anos nessa mesma produção com o dramaturgo Terrence McNally. The Visit estreou em Chicago em 2001, novamente em Washington em 2008 e foi visto de uma forma renovada no festival Williamstown Theatre de Roger Rees no verão de 2014. Nessa altura, pela sua atuação como Claire Zachanassian – a mulher mais rica do mundo – foi aclamada na Variety como «uma leoa no inverno, magistral, astuta e absolutamente congelada na sua missão de procurar uma vida em troca dos seus milhões».
No que toca ao amor, em 1957, Chita Rivera casou-se com o bailarino de West Side Story, Tony Mordente, com quem teve a sua filha Lisa. O casal acabou por se divorciar em 1966.
Segundo o The Guardian, durante a longa sua carreira foi nomeada mais de dez vezes para os prémios Tony (os ‘Óscares’ da Broadway), que venceu duas vezes. Foi premiada em 2002 com o Kennedy Center – aquela que é uma das principais distinções artísticas dos EUA –, e recebeu ainda na Casa Branca, em 2009, a Medalha Presidencial da Liberdade.
No aniversário dos seus 90 anos, dizia que começava a pensar no tempo que lhe restava. «Tenho pensado que não quero morrer, que não quero ir embora. E isso não é bom. Geralmente sou uma pessoa muito positiva. É por isso que agora estou a forçar-me a fazer coisas. Antes não precisava de me esforçar, só fazia. Não consigo dançar como antes, mas consigo cantar e atuar. Considero-me uma pessoa de muita sorte. O corpo pode mudar, mas o coração permanece constante», contava à escritora e crítica de cinema americana Thelma Adams no ano passado.
Chita era uma artista completa. Cantava, dançava, representava, mas segundo a mesma, sempre preferiu ser chamada de bailarina. «Ainda prefiro ser considerada uma bailarina», acrescentava na mesma entrevista. «Nos ensaios, tens de te entregar de corpo e alma das 10 da manhã às 18 horas todos os dias. Os dançarinos são pessoas muito abertas. O que vocês veem é aquilo que somos. Os coreógrafos dizem-nos o que fazer e nós fazemos. Também é assim com o canto e a representação, mas eu não mudaria ser dançarina por nada no mundo».