A democracia enfrenta o seu maior desafio, já que está reduzida a apenas alguns aspetos formais. São principalmente os que se denominam os guardiões e donos da democracia que a estão a liquidar. A democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo. Pensemos então no atual papel do povo, na qualidade da sua participação e na sua literacia política.
Constatamos que a participação dos cidadãos na política, ou seja, nas decisões e escolhas sobre o destino das suas vidas e da sociedade é praticamente nula. O tipo de legitimidade e de representação políticas do presente são muito pouco democráticas. Esta realidade interessa à oligarquia política vigente. As elites políticas afastaram-se e traíram os cidadãos, pensam principalmente na manutenção do seu poder e dos seus grupos, e por sua vez estão dependentes de elites económico-financeiras que detém um poder transnacional que reduziu as soberanias nacionais a simples colónias. Esse poder transnacional não é eleito nem escrutinado. A democracia só pode ser implementada a nível local, regional e nacionalmente.
A partidocracia vigente é também antidemocrática, porque o partido é prioritário relativamente ao país e os militantes e os seus interesses estão primeiro que os cidadãos. Como resultado, a obediência, o seguidismo, o espírito de seita prevalecem. Esse caldo, por sua vez, cria condições para o aumento da corrupção, dos esquemas e do amiguismo. O Estado e os média têm um dono político. Assistimos também à tomada do poder por gerações sem qualquer experiência profissional fora do partido e das respetivas nomeações. As consequências desta realidade são gravíssimas, as pessoas sem o cartão partidário são afastadas e afastam-se da política, cresce a convicção de que é inútil, que nada muda, que várias formas de corrupção foram até legalizadas por essas oligarquias. Temos então uma democracia com donos e com corporações especializadas no poder.
A realidade portuguesa consegue agregar ainda mais fatores perturbantes.
Os jovens afastam-se e não querem saber da política, porque não têm razões para acreditar e confiar. Estes jovens já não consomem nem televisão, nem jornais, nem fazem a mais pequena ideia do que se passa nesses meios, estão imunes ao ritual da consagração partidocrática de legitimação deste sistema.
Não há democracia verdadeira se não existirem cidadãos informados, com capacidade crítica e que intervém nas decisões que afectam a sua vida, o seu país e a sua localidade. Sem cidadania e dimensão cívica, a democracia é uma mentira. O ato de votar, por si só, nada diz sobre a democraticidade de um sistema. De que vale um voto se não sabemos no que votamos?
A maioria dos portugueses não consegue distinguir efetivamente o que é a esquerda e a direita, não conhece os programas dos partidos, nem as suas diferenças. Não me refiro a opiniões e impressões, mas a conhecimentos de facto. A generalidade das pessoas não consegue identificar políticas, nem conhece os membros do governo e o seu trabalho, os presidentes de Câmara ou os deputados da sua região. É raro encontrar alguém que conheça o mínimo sobre qualquer ideologia, ou sequer como funcionam das intuições e a história ligada à política.
A literacia política é menos que zero em Portugal.