Só pela pinta do mamífero era de esperar que surgisse como mais um dos irredutíveis gauleses que, na sua pequena aldeia da Armórica, resistem ainda e sempre ao invasor impedindo que toda a Gália esteja ocupada pelos exércitos de Júlio César e cujo único medo é que o céu lhes caia em cima da cabeça. O nome até seria fácil de adaptar: Ibrahimovix! Mas não. Guillaume Canet, o realizador francês que ficou responsável pelo quinto filme de animação do pequeno herói de chapéu com asinhas e do seu inseparável companheiro gordo («Gordo!? Mas quem é que é gordo aqui?!»), autor de diversos sucessos como A Praia (um dos filmes que atirou Leonardo Di Caprio para a ribalta) ou Joyeux Noël (um dramalhão produzido por diversos países europeus sobre o sofrimento dos soldados da frente durante a I Grande Guerra), preferiu entregar ao sueco – mais uma vez parado por via de uma lesão num joelho apesar de continuar com contrato com o Milan – o papel de Antivirus no Astérix et Obélix: L’Empire du Milieu, nome original desta película datada de 2023 e que se encontra agora ao alcance de qualquer um que tenha os habituais canais dedicados a filmes e séries através de televisão por cabo.
Pela primeira vez ao longo dos últimos filmes, o gord…, o Obélix não é protagonizado por Gerard Dépardieu, provavelmente a usar e a abusar de vodka lá na sua Rússia de eleição, e sim por Gilles Lellouche, uma autêntica desilusão já que não tem tamanho que chegue para encher aquelas calças às risquinhas azuis e brancas. A ação passa-se No Império do Meio, a China de 50 anos antes de Cristo, e Caius Antivirus alia-se a Júlio César (representado por um daqueles canastrões à moda antiga, Vincent Cassel) que tem pretensões a alargar o seu império para Oriente. Claro que, e mesmo perante a oposição inicial do chefe Abraracourcix – que agora surge na versão portuguesa como Matasétix, o que é vomitável! –, César não levará os seus planos adiante. Astérix defende a honra da imperatriz da China, Linh-Dan Pham, e há sempre um banquete no final com o bardo Assurancetourix amarrado a uma árvore, um Assurancetourix assim mesmo Assurancetourix, e não Cacofónix como nesta febre de modernidade.
A estreia de Zlatan
Zlatan Ibrahimovic fez a sua estreia no cinema e anunciou a sua presença no filme de Astérix com um comentário simpático: «Vive la France!». O papel fica-lhe bem se o virmos à luz destas novas personagens que parecem saídas de jogos de computador. O estilo não foge ao seu intérprete. Ou seja, mesmo sem bola, Zlatan faz de si mesmo enquanto assume o papel de Antivirus e poupa-se ao que seria sempre aborrecido: levar uns valentes sopapos dos gauleses cheios de poção mágica. Talvez porque estejamos perante um jogador de futebol e um atleta em todos os sentidos do termo, Astérix apresenta, pela primeira vez, dúvidas sobre a utilização da inevitável poção mágica e, de forma subtil, faz-nos refletir sobre o facto de a usar não ser uma espécie de batota – só nos tínhamos confrontado com esta dicotomia no Astérix nos Jogos Olímpicos, aventura na qual a poção foi proibida pelos organizadores dos Jogos por aumentar as capacidades físicas dos atletas, uma espécie de piscar de olho aos casos de doping.
Mas, adiante: se Ibrahimovic fez, neste Astérix e Obélix e o Império do Meio, a sua estreia no grande ecrã, outros jogadores de categoria semelhante já haviam passado pela experiência. Esqueçamos os filmes especialmente dedicados ao futebol, como o Fuga para a Vitória, por exemplo, ou os documentários, como Bend it Like Beckham, porque seria bacoco realizá-los sem a presença dos protagonistas. Podia começar logo por um tal de Vinnie Jones, e começo mesmo já que começo por baixo. Jones, que jogou vários anos no Wimbledon e ficou famoso por ser um sarrafeiro sem escrúpulos, que batia em todas as partes do corpo dos adversários que ficassem abaixo das amígdalas, tornou-se um ator verdadeiramente prolixo. Participou em cerca de 60 filmes, algo que é de se lhe tirar o chapéu, embora a sua figura seja tão repetitiva que pareça ter feito o mesmo papel nas seis dezenas de películas, algo que até nem deixa de ser verdade. Snatch, Mean Machine, Lock, Stock and Two Smoking Barrels, lembram-se? E os papéis que lhe couberam, todos eles de façanhudo (nasceu assim, não é culpa dele) e mauzão: Juggernaut, Brick, Arrow – só os nomes dizem tudo!
Falando um pouco mais a sério
Eric Cantona resolveu entrar pela porta do cinema como jogador de râguebi em Le Bonheur est Dans le Pré, realizado por Étienne Chatiliez: o papel de Lionel não era propriamente atrativo mas houve a curiosidade de ter a companhia do irmão mais novo, Joël Cantona, como Nono, um papel ainda menos atrativo. Só que, em seguida, falamos de coisas bem mais sérias._Porque em 1998, teve uma performance importante como embaixador francês na corte inglesa no filme Elizabeth, uma daquelas obras que ficam, de facto para a história do cinema. Com Cate Blanchett a fazer de Isabel I de Inglaterra, a longa metragem sob realização de Shekhar Kapur contou com gente da maior estirpe cinematográfica – Geoffrey Rush, Christopher Eccleston, Joseph Fiennes, John Gielgud e Richard Attenborough – e foi premiada no 55º Festival de Veneza, nomeada nos 56ºs Golden Awards além de sete nomeações para a 71ª edição dos Òscares da Academia. Pode dizer-se que Cantona voltava a jogar numa equipa campeã.
Outra das estrelas do Manchester United, David Beckham, também teve espaço no cinema a sério, por assim dizer. Em 2017 foi convidado para fazer parte de King Arthur: Legend of the Sword, um épico da autoria de Guy Ritchie sob a lenda do Rei Artur e que rendeu mais de 150 milhões de dólares. Aqui não foi tão épico porque calcula-se que o filme tenha custado mais de 180 milhões de dólares no total. A Beckham foi entregue uma interpretação menor, mas ainda assim, nada desprezável se pensarmos que coabitou na aventura lado a lado com Jude Law, por exemplo. Trigger, o guardador da espada Excalibur, que todos queriam retirar do penedo onde estava espetada, foi a sua deixa. Enfim, bem mais digno de orgulho do que alguns dos westerns realizados na República Federal da Alemanha nos anos-70 e nos quais participou o grande Paul Breitner, campeão do mundo. Em 1976 foi herói num filme com o ridículo nome de Potato Fritz, com algo de comédia mas, francamente, o humor alemão não é dos mais atraentes. De qualquer forma, se o quiser ver, ainda anda por aí… Eu dispenso!