Fernando Medina ofereceu de mão beijada 2,8 milhões de euros à sociedade de advogados Cuatrecasas. Sem abrir qualquer concurso público, sem concorrência e para representar o Estado português num diferendo em tribunal arbitral com fundos das Maurícias no processo BES.
Há a corrupção. E depois há a corrupção de Estado, a corrupção endémica e estrutural, promovida pelo próprio regime. Assim, nem sequer é preciso cometer um crime, um ilícito, uma ilegalidade. Basta ter uma boa agenda de contactos, de A a Z. Trata-se das redes clientelares que garantem às empresas próximas do Estado obesas negociatas, mesmo que inúteis ou perdulárias para os portugueses. Entre elas, as famigeradas sociedades de advogados que capturaram parlamentos, Conselho de Ministros, Conselho de Estado, abocanhando tudo o que mexe.
Um dos seus instrumentos é dito ajuste direto. Nestas teias de proximidade e influência com que se parasita todo o setor público, muitas vezes esta escolha é até pessoal, violando grosseiramente todas as regras, e revelando a vontade deliberada de favorecer certa empresa. Por isso é que algumas são contratadas repetidamente e passaram a ser nomes conhecidos da população.
Entre 2020 e 2022, o Estado e o respetivo setor (autarquias, entidades públicas, ordens profissionais) só muito raramente celebrou contratos de serviços com escritórios de advogados através de concurso público. Apenas 1% . Eis Administração Pública de joelhos para que por ela litiguem ou deem pareceres, entrando-se num ciclo vicioso porque quando se contrataram assim escritórios de advogados oferta-se-lhes ainda mais poder de influência no coração das instituições públicas. Pior: há zero transparência, é impossível saber quem são os clientes privados dessas sociedades de advogados e alguns desses grandes escritórios estão envolvidos na própria redação da legislação: têm os seus tais braços armados na assembleia da república, por exemplo. Mas quem se importa com os conflitos de interesses em Portugal, mesmo quando eles são flagrantes?!
Um dos alçapões que torna possível o ajuste direto a granel é o constante invocar das normas excecionais do código de contratação pública. Já se sabe: como dizia Branquinho da Fonseca, em Portugal o provisório tende a tornar-se definitivo, o excecional passa a banal.
Não pode então espantar que, segundo apurou o jornal digital Página Um, o ministro das Finanças privilegie assim a Cuatrecasas enquanto comete a insanável incongruência de, no respetivo contrato, permitir-lhe que recorra «à subcontratação de serviços a prestar por terceiro», assumindo a incapacidade daquela sociedade cumprir sem a assessoria especializada de outros escritórios.
Aguarda-se que o Tribunal de Contas rejeite o visto e remeta para um procedimento de concurso público. Quanto a serviços jurídicos no Estado competentes que dispensem este regabofe, é para esperar sentando. Já a mudança deste sistema corrupto chega depois de Godot. Não vale a pena manter-se acordado.