A chegada de um irmão

Por vezes, com a melhor das intenções, os pais atribuem ao primogénito o papel de ajudante, de irmão mais velho, de responsável.

Embora todos os pais tenham o sonho de que a chegada de um irmão será uma enorme alegria e felicidade para o primeiro filho, é difícil que este, destronado do seu papel de filho único e de caçula da família, receba o seu concorrente sem reservas.

Muitas vezes o bebé é apresentado quando ainda está na barriga da mãe. A criança abraça a barriga, dá beijinhos, fala para o irmão e sente os seus movimentos, ainda na enorme harmonia da tríade e longe de imaginar o que e quem dali virá.

À medida que o nascimento se aproxima, os familiares e amigos deixam de perguntar tanto pelo filho, para se interessarem e mostrarem uma maior ansiedade e excitação pelo bebé que aí vem. Perguntam se falta muito para o parto, comentam o tamanho da barriga, oferecem presentes e mostram-se muito entusiasmados com a chegada do novo membro. O irmão vai vivendo esta antecipação com curiosidade, por vezes até entusiasmo, mas também com algum receio e desconfiança.

E chega o dia! Os pais vão para a maternidade receber o bebé, enquanto o primogénito fica entregue aos cuidados de um familiar. A visita à maternidade é desnecessária, porque é difícil os pais, sobretudo a mãe, terem a disponibilidade e energia para receber o filho da forma como ele gostaria, com tempo e dedicação. A mãe pode até estar debilitada e muito focada no recém-nascido.

Quando chegam a casa será tudo necessariamente diferente, porque a família está maior. Apesar do enorme esforço dos pais para que quem adquiriu forçosamente o título de ‘filho mais velho’ sinta o menos possível que já não é o detentor absoluto do reino, a vida familiar é naturalmente diferente. Há um novo bebé na família, absolutamente dependente dos pais. O que significa para quem estava habituado a ter a atenção total, que o colo passa a ser dividido, a mãe que estava mais disponível tem de se dedicar também ao bebé que chora com fome, com sono ou porque quer atenção, as visitas e os desconhecidos com quem se cruzam passam a dirigir-se sobretudo ao mais novo e o irmão mais velho vai assistindo a tudo isto com paciência e por vezes também com alguma tristeza, birras ou regressões, com receio de perder o seu lugar. Não é fácil.

À medida que o bebé cresce a casa enche-se não só da parafernália característica (ovo, carrinho, muda-fraldas, espreguiçadeira, fraldas, biberões…), mas também dos seus apetecíveis brinquedos e do próprio bebé, que deixa de estar sempre deitado para começar a explorar o mundo. A criança começa assim a sentir que a casa, o espaço, a atenção e os pais são cada vez menos só seus.

Por vezes, com a melhor das intenções, os pais atribuem ao primogénito o papel de ajudante, de irmão mais velho, de responsável. Até porque, em comparação com o irmão tão pequenino, qualquer criança parece uma matulona. Mas o irmão mais velho pode ter cinco, quatro, três, dois ou um ano! Não tem idade para ser responsável ou crescido, ele não quer cuidar, quer ser cuidado, quer atenção, quer brincar, ser mimado e ter um grande colo sempre à espera dele, como estava habituado.

Apesar deste choque inicial, desta mudança nem sempre pacífica que se vai interiorizando, ainda que por vezes não se apercebam, acaba por chegar o momento em que ter um irmão passa a ser o presente há tanto prometido. Um dia começam a brincar juntos, a conversar, a pregar partidas, a fazer companhia um ao outro, mesmo que com ajustes de tensão pelo meio, e tornar-se-ão cúmplices e companheiros para a vida.

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com