Programas históricos. Um regresso ao passado

Em tempos a rádio era uma das únicas companhias que se tinha. Através dela desmistificaram-se conceitos, nasceram grandes interlocutores, deu-se a volta ao humor e provocou-se o regime. O i dá-lhe a conhecer alguns dos programas que marcaram a história do país.

Tal como cantava José Mário Branco: “Mudam-se os tempos/Mudam-se as vontades”. O tempo passa e com ele alteram-se os hábitos. O tempo passa e apesar das coisas mudarem, a história está escrita e a memória é viva. Não é segredo para ninguém que a voz tem poder e, por mais que isso se possa estar a dissipar de geração em geração, há quem o tenha sempre bastante presente, já que fez parte da vida de muitos, marcando também a história do país. Atualmente, quando pensamos na rádio, é possível que sejamos imediatamente transportados para o carro já que, ao contrário do que acontecia no passado, em casa, é a televisão, o telemóvel ou o computador que nos fazem companhia. Já não precisamos de aguardar para ouvir as nossas músicas preferidas, conhecer músicas novas e existem milhões de podcasts que podem ser ouvidos em inúmeras plataformas. Isso não quer dizer que não sejam muitas as pessoas que a ouvem assiduamente. No entanto, antigamente, havia quem parasse o dia para não perder um programa, para gravar uma música que passasse na sua estação preferida. Ou seja, embora a rádio continue a ser uma importantíssima ferramenta de comunicação, a verdade é que os seus dias de ouro já passaram. Mas, tal como acima referido, é importante que se conheça a sua história e que se reconheça a sua importância. Por isso, o i dá-lhe a conhecer alguns dos programas mais icónicos da rádio em Portugal que marcaram os tempos, desafiaram o governo, mudaram as mentalidades, desmistificaram conceitos e divertiram os cidadãos.

Pão com Manteiga

Teve o seu início em Maio de 1980, na recente criada Rádio Comercial. O programa era das 10h às 13h aos domingos. Uma desconstrução completa da realidade. Tudo de pernas para o ar. “Tudo começou com um convite do João David Nunes – na altura diretor da Rádio Comercial -, para ocupar o espaço dos domingos de manhã. Eu aceitei e, como não gosto muito de trabalhar sozinho, convidei o José Duarte e o Mário Zambujal para se juntarem a mim, por isso, fomos nós os três que inventámos uma coisa que acabou por ser um fenómeno louco na altura”; começa por contar ao i Carlos Cruz. “Começámos por pensar no nome… Era domingo de manhã, fazia-nos sentido ter alguma coisa a ver com pequeno-almoço. Acabámos por chegar ao Pão com Manteiga. Arranjámos o slogan e resultou bem”, continua. “Começou assim, nós os três numa reunião na minha casa. Depois acabámos por achar que seria interessante juntar mais pessoas criativas à equipa. Convidámos o Orlando Neves, do Diário de Notícias, o Bernardo Brito e Cunha, que ficaria encarregue de arranjar músicas, porque era bastante conhecedor. Enquanto eu lia os textos, ele ponha o disco. Eu não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo!”, acrescenta. Segundo o ex-interlocutor, esse foi o núcleo inicial. Depois juntou-se a ele a Eduarda Ferreira, a Clara Pinto Correia, o Artur Couto e Santos, o Joaquim Furtado… Foi crescendo à medida que ia mudando as edições. “Era um programa na rádio e os textos eram publicados no jornal A Capital”, recorda.

O programa teve uma aceitação um bocado estranha no primeiro dia. “Como os textos não faziam o mínimo sentido na cabeça das pessoas – o nosso projeto era desconstruir as palavras e o sentido que lhes davam -, na primeira emissão, ligaram para a rádio a perguntar se eu estava bêbado ou drogado”, revela Carlos Cruz. “Uma coisa muito estranha, mas divertiu-nos imenso. Nós tínhamos fé no projeto. Sabíamos que as pessoas quando entrassem na nossa ilógica, acabariam por se divertir”, lembra. Depois a equipa começou a inventar programas com cor e cheiro: “As pessoas tinham de ver tudo da mesma cor ou tinham de sentir o cheiro que nós disséssemos. Mas a força daquilo eram os textos. Tinham aquilo a que se chama normalmente non sense, mas que faziam muito sentido. Nós dávamos um significado diferente às palavras. Lembro-me desta: ‘Uma garoupa namorava com um pargo/ Quando o pargo uma vez lhe disse qualquer coisa que ela não gostou/ Ela disse/ Não sejas pargo’”, exemplifica o ex-apresentador.

O programa acabou por se tornar num êxito enorme. “Tínhamos notícias de pessoas que acordavam às 10 da manhã só para meter o programa a gravar, voltavam a dormir e depois ouviam durante a hora de almoço. Tínhamos encontros de ténis que eram interrompidos porque as pessoas nos ficavam a ouvir dentro do carro… Sempre tivemos reações muito interessantes”, admite.

Depois a equipa acabou por publicar os textos em três livros. Dois deles, Pão com Manteiga e outro com As Histórias do Rock e da Amiga que eram escritos por Bernardo Brito e Cunha. “Era um casal de namorados de Campo de Ourique e tinha a ver com as discussões que os casais da altura tinham. Mas o primeiro livro que publicámos acabou por ser o livro mais vendido da Feira do Livro de 1982. Era uma coletânea de textos”, explica ainda Carlos Cruz.

Interrogado sobre o processo criativo, segundo o próprio, cada um dos amigos escrevia em casa e, à quinta-feira, reuniam na sua para ler. “Era eu quem lia os textos todos em voz alta e havia vezes em que não conseguia, porque não parava de rir. Aliás, aconteceu no programa. Uma vez não me consegui aguentar. Desmanchei-me a rir”, garante.

Além disso, os criativos também acabaram por inventar palavras e frases. “‘Só falo na presença do meu advogado’, por exemplo. E aquela expressão que o Fernando Pessa – um maluquinho pelo programa -, depois utilizou com a minha autorização: ‘E esta hein?’”.

Olhando para o passado, Carlos Cruz sente saudades dos valores que existiam: “A amizade desinteressada, a lealdade, a justiça, a franqueza, o facto do aperto de mão servir para se selar um contrato, a confiança. Basicamente a amizade e a pureza dessa amizade. Foi a beleza dos anos 60. Para mim são a raiz de muita coisa. Um pós guerra onde estava tudo destruído e onde reconstruímos as coisas. Não queríamos fazer igual ao que os nossos pais tinham feito. Surgiu muita coisa em todos os campos”, admite. “Também tenho saudades da liberdade com que criávamos, embora sujeitos ainda a uma censura. Nós dávamos a volta, porque os censores eram muito incompetentes e muito limitados mentalmente e culturalmente”, defende. “Hoje em dia vive-se de uma forma desinteressante, demasiado impessoal e tecnológica. Tenho saudades da verdade com que se vivia antigamente”, remata.

Companheiros da Alegria

Os Companheiros da Alegria, foi apresentado e realizado por Igrejas Caeiro e Elvira Velez, a partir de 1951 na Emissora Nacional. “A música e os versos de apresentação ainda hoje são lembrados e muita gente me saúda repetindo: “Uma nota de quinhentos não se pode deitar fora”, descreveu o próprio Igrejas Caeiro no livro Telefonia de José Matos Maia, publicado em 2009.

O programa de entretenimento, concurso e variedades era transmitido às 22h30 de sábado durante 15 minutos. Na sua publicidade a música era sempre a mesma, era a letra que mudava conforme as ocasiões e os patrocinadores. Nele atuaram os mais conceituados artistas nacionais – como Francisco José, Anita Guerreiro, Maria do Espírito Santo, Gina Maria e Amália Rodrigues -, e eram oferecidos prémios que iam desde panelas a camisas e ainda cem escudos. Recorde-se que, nesta altura, emitia-se teatro radiofónico representado em direto. O programa teve grandes rubricas teatrais como Ensaio Geral, Lélé e Zéquinha com Vasco Santana, As Aventuras do Homem das Massas com António Silva, entre outras

O primeiro programa foi realizado no dia 11 de agosto, no Porto, Na Volta a Portugal em Bicicleta, no Cinema Carlos Alberto e os artistas fundadores foram Belita, Guilherme Kjoiner, Luiz Horta, Luiz Piçarra, Maria Amélia Marques, Maria Odete Coutinho, Maria de Lurdes Resende, Maria Pereira, Mimi Gaspar e um quinteto constituído pelo professor Arnaldo Silvério, Francisco Carvalhinho, João Aleixo, Luiz Vilar e o professor Martinho da Assunção, célebre guitarrista.

Os Companheiros da Alegria terminam com a inauguração do Teatro Maria Matos, em novembro de 1969. Segundo a Fundação Mário Soares, os espetáculos viriam a ser suspensos pelo governo sob o pretexto de Igrejas Caeiro ter elogiado o primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru. “Afastado da Emissora Nacional, retomou esse programa no Rádio Clube Português, onde criou também, com o apoio empenhado de Manuel Mendes, a rubrica Perfil de Um Artista, em que realizou numerosas entrevistas com intelectuais progressistas portugueses e brasileiros, algumas das quais construídas a partir de uma rigorosa seleção de textos de autores já falecidos”, explica a Fundação.

Quando o Telefone Toca

“A minha avó era fã da Rádio Comercial na sua versão Onda Média e, por isso, ouvi muitos dos programas desta estação, alguns deles ficaram bastante populares, como foi o caso do Quando o Telefone Toca”, escreveu Hugo Silva no blogue Ainda sou do Tempo, em 2014. “Ajudou a popularizar os discos pedidos e a tornar isso algo comum em todas as estações de rádio”, explicou.

Foram os apresentadores Joaquim Pedro e José Matos Maia que moldaram e idealizaram este programa de discos pedidos, primeiro na Rádio Clube Português e depois nos tempos áureos da Rádio Comercial de Onda Média, na primeira metade da década de 80. “Era um daqueles programas que o pessoal queria ouvir para gravar as suas músicas favoritas, muitos pediam as músicas tanto para dedicar a alguém que gostavam como para assim poderem gravar e ter a canção que tanto gostavam”, continua o antigo ouvinte. O formato do programa estava, por isso, feito para permitir que o ouvinte se ouvisse a si próprio como participante do programa. “Demis Roussos, Julio Inglesias, José Cid, Juan Luis Guerra e Charles Aznavour eram apenas alguns dos nomes mais populares nesta rubrica. Com o passar do tempo outros artistas começaram a ficar populares por lá, com o programa a tornar-se algo semelhante ao que viria a ser o Oceano Pacífico, inundado de slows da pop Inglesa”, acrescenta.

Este tinha de ligar antecipadamente para o programa – já que este não era transmitido em direto -, e dizer uma frase (qualquer coisa que remetesse ao produto que patrocinava o programa). Depois disso, dizia o nome da música, seguido do seu nome. “Boa Noite! Posso dizer a frase? – Pode. – ‘Cosméticos Girl, beleza máxima, custo mínimo’. Posso pedir o disco? – Pode. – Era a Natércia Barreto e os Óculos de Sol. Posso dizer o nome? – Pode. – Ercília Gomes”.

“Estava atento e com os dedos a postos para carregar no ‘rec’ sempre que era pedida música me interessasse. Devo dizer que muitas vezes, era um esforço e um tempo inglórios, não ‘pescava’ algo de que gostasse. Muitas dezenas de músicas foram sendo assim, laboriosamente, colecionadas, aumentando o acervo e tendo uma banda sonora que me acompanhava”, lembrou Zé Morgado no seu blogue Atenta Inquietude em 2014, no seguimento de uma peça jornalística do i sobre o mundo da rádio e dos programas de “discos pedidos”.

No dia 9 de abril de 1979, Luís Filipe Barros fez nascer o Rock em Stock, na antena FM Stereo da Rádio Comercial e com ele fez história no meio musical, ao dar a conhecer nomes como os GNR, Rui Veloso, Ultravox, Devo, AC-DC, Metallica, Ramones, Sex Pistols, entre outros. Chamavam-lhe o “Berros”: “Fazia um barulho infernal. Ninguém estava habituado”, afirmava numa entrevista ao i, em 2013. Segundo o mesmo, com o Rock em Stock passaram a vender-se mais aparelhos de rádio, mais gira-discos, mais discos. “Só tinha um disco de música portuguesa, de uma banda que eu gostava, os Go Graal Blues Band. Isto era giro para passar, mas a malta estava mais orientada para o programa com as músicas que estávamos habituados a passar. Depois tivemos ajuda dos ouvintes. Começámos com música de 77, 78. Entretanto pedimos contactos com as editoras. Foi quando rebentou a New Wave. A Valentim de Carvalho foi sensacional, dava-nos discos. Certos ouvintes iam lá fora passar férias e traziam discos também. Foi o Pedro Fuzeta da Ponte que me trouxe Dire Straits da Suíça”, contava. O locutor começava o programa com a música da semana, escolhida por si. Depois dali para a frente, “era como nas discotecas”. Este não tinha uma pré-lista. Levava cerca de 60 álbuns e tocava na altura o que lhe dava na cabeça.

Luís Filipe Barros acompanhava tudo o que se passava no estrangeiro, tanto o movimento Punk, a New Wave, o Glam Rock, como o que se fazia de Electro Pop. Além disso, o locutor fazia entrevistas a grandes figuras da cena musical da época. “Não havia mercado em Portugal. Primeiro, não havia programas dirigidos a jovens. Apareceu o Rock em Stock nessa altura. De repente, as pessoas passaram a tomar conhecimento das bandas lá de fora. Começou a haver um negócio, uma nova indústria em Portugal. Com o Rock em Stock, aumentou-se a venda de aparelhos FM e gira-discos. Depois vieram os jornais de música. E começaram os concertos. Notava-se que havia um público para tudo isto. E tudo foi iniciado por nós, sem pensarmos nisso. Então começaram a vir bandas a Portugal”, afirmava numa outra entrevista ao Jornalismo Porto Net (JPN), em 2009.

Segundo o antigo locutor, o trabalho aos microfones era muito solitário, “principalmente porque a vida era outra”. “Vivíamos muito de noite. Tinha o programa às quatro da tarde, quando acabava fazia horas até ao jantar com amigos, para combinarmos jantaradas todas as noites, depois íamos para os copos. Chegava a casa às seis da manhã, dormia até às duas da tarde, depois ia para Monsanto correr e ia fazer o programa”, confidenciou ao i.

O programa terminou em 1982. “Eram muitas pressões, que era uma coisa que não estávamos habituados. Depois apareciam-me quinhentas bandas a pedir para passar a música. E dessas, só gostava de uma. As editoras, ao verem que o programa tinha sucesso, queriam que a sua música passasse”, explicava ao JPN. “ A pressão era tanta, tanta, tanta, que eu disse: ‘Esperem aí que eu já vou tratar do vosso assunto. Acaba-se com o programa!’”.

Quando começou a “rebentar” nos EUA, o Glam Rock em 1987, Luís Filipe Barros decidiu voltar. “Dos Gun´s Roses até aos Nirvana. Foi aí que eu apostei na música mais dura. Se as pessoas julgavam que o regresso do Rock em Stock seria à base dos êxitos mais antigos, ou à procura desses êxitos para continuar no programa… Não, surpreendi as pessoas e dei um passo em frente para a música mais dura”, lembrou na mesma entrevista. “Qual era a rádio que passava às quatro da tarde Anthrax, Metallica ou Guns´s Roses? Não havia programa da tarde em Portugal, ou no mundo que passasse esse tipo de música. Foi um risco que corri, mas foi uma aposta ganha. Fui buscar uma nova adolescência ao programa na altura”, sublinhou em 2009.

Em Órbita

Funcionou entre 1965 e 2001, tendo passado pela Rádio Clube Português, Rádio Comercial e Antena 2. Segundo o jornalista Luís Pinheiro de Almeida numa crónica para o Público, em 2000, este programa foi “o grande responsável pela divulgação em Portugal da chamada música pop”. “Foi nele que os portugueses ouviram pela primeira vez Simon and Garfunkel, Donovan, Jefferson Airplane, Tim Buckley, Bee Gees, Beach Boys, Janis Ian, Doors, Procol Harum e muitos outros”, enumera no texto. De acordo com o mesmo, as vozes mais famosas dos primeiros programas eram, além de Cândido Mota, a de Pedro Castelo e João David Nunes. “A partir de 1969, nasceram as Novas Aventuras do Em Órbita, com a introdução de música clássica, a qual passou a exclusivo a partir de janeiro de 1974”, lembrou. Em 1967, o Em Órbita ganhou o Prémio Internacional Ondas, único alguma vez atribuído a Portugal. Nesse programa, foi incluída, pela primeira vez, música portuguesa, A Lenda De El-Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111. Também através dele, bandas inglesas e norte-americanas começaram a ser conhecidas em Portugal.

O programa tinha uma frase marca: “Um programa feito por nós e dito por mim”, o que fazia do programa uma obra coletiva. De acordo com o livro Telefonia, Rui Vieira Nery faria uma excelente análise ao programa: “Tudo começou com um grupo de jovens profissionais da rádio que em meados da década de 60, em pleno reino do nacional-cançonetismo, de Rafael e de Gianni Morandi, tocava regularmente o que de melhor e mais avançado se fazia na música popular anglo-americana, constituindo um espaço radiofónico alternativo que serviu de referência de qualidade a toda uma geração marcada pelo movimento associativo universitário, pela resistência antifascista, pelo trauma da guerra colonial, pela rutura com os códigos morais pequeno-burgueses dos filmes cor-de-rosa de Doris Day e Marisol”, cita o livro.

Numa entrevista a Luís Garlito, em junho de 1995, presente no Arquivo RTP, Pedro Albergaria contava que foi o seu pai que o desafiou a fazer um programa de rádio. Telefonou a Júlio Botelho Moniz e, no dia seguinte, Pedro foi falar com ele. “Eu e o Jorge Gil fomos à Rádio Clube Português, falámos com o Júlio Botelho Moniz, e ele disse: ‘Então, pronto, está tudo bem, começam depois de amanhã!’. Nós ficámos assim um bocado a olhar um para o outro: ‘Depois de amanhã? E nome para o programa? E locutor?’. Que nem nos passava sequer pela cabeça falar ao microfone. Tivemos de fazer isto em dois dias e o Em Órbita começou no dia 1 de abril de 1965. Provavelmente, não dormimos”, revelava. A escolha do locutor para o programa foi a parte mais fácil pois os dois já conheciam bem Pedro Castelo. “Aí não houve grande problema na escolha. O que é que ia fazer o programa? Tocar só discos? Tínhamos de escrever textos? Acho que fomos apanhando pouco a pouco a fórmula. Ao fim de seis, sete meses, foi a fórmula definitiva do Em Órbita”, continuava, acrescentando que a escolha do nome foi o antigo diretor da Rádio Clube Português, Álvaro Jorge.

Página 1

No princípio, o programa conciliava a reportagem do quotidiano lisboeta do fait-diver – formato jornalístico vocacionado para divulgar factos com baixa intensidade informativa e elevado valor de entretenimento. No entanto, aos poucos, foi-se especializando para abordar as questões políticas e sociais, talvez por isso tenha atingido um vasto auditório jovem. Segundo a Hypotheses, uma plataforma académica de ciências humanas e sociais, passava essencialmente música pop, soul e baladeiros, como Manuel Freire, António Macedo, Fausto Bordalo Dias. Dele também faziam parte crónicas de rádios internacionais e rubricas sobre automobilismo, cinema e teatro. Através dele, os portugueses ficaram também a conhecer alguma música espanhola de Patxi Andion, Joaquín Díaz e Manolo Díaz. Deste último artista, escreve a plataforma, o programa passou regularmente La Juventud Tiene Razón, de 1969, “proibida pela televisão espanhola, uma espécie de hino de revolta política”.

Página 1 começou a ser emitido a 1 de janeiro de 1968 e acabou na primavera de 1975. De acordo com a Hypotheses, o seu primeiro locutor foi Jorge Schnitzer, acompanhado por Maria Helena Fialho Gouveia. O programa que era emitido na Rádio Renascença, das 19h30 às 20h30, mais tarde alargado até às 21h, teve colaboração especial da redação da revista Flama no seu início. “Logo depois, em fevereiro, José Manuel Nunes assumiu a sua liderança. Outro elemento de destaque do programa foi o jornalista Adelino Gomes”, conta, acrescentando que este era “um programa carro-chefe (como se diz no Brasil)”, ou seja, um dos mais importantes da época. Outra das suas iniciativas foi a apresentação de discos de José Mário Branco e Sérgio Godinho ao vivo, como foi o caso da emissão realizada em novembro de 1971. Recorde-se que como os músicos viviam exilados em Paris, no palco colocou-se um gravador de música em vez de cadeiras e microfones. Adelino Gomes fizera uma entrevista em Paris a um dos músicos e passou-a na sessão.

Segundo a mesma plataforma académica, a entrada do jornalista Adelino Gomes para o programa foi bastante significativa, já que lhe trouxe várias reportagens e apontamentos noticiosos. “Ele recebeu também convite para organizar o serviço noticioso da estação. Mas, a 6 de setembro de 1972, Página 1 seria proibido pela censura”, conta. Porquê? “O jornalista comentara na véspera o massacre de atletas israelitas por comando palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique, repetido no segundo programa. No texto, o jornalista afirmou que se tratava de um episódio da guerra do Médio Oriente, que começara em 1948 com a expulsão dos palestinianos árabes do território em que viviam. No apontamento, Adelino Gomes citava uma notícia em que o Presidente Nixon chamava ‘ignominioso’ ao ato, embora autorizasse que aviões bombardeassem aldeias, diques e hospitais do Vietname do Norte nessa mesma noite”, lê-se na Hypotheses. E apesar do jornalista ter recebido várias chamadas que o felicitaram, a reação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo foi a suspensão imediata do programa. Para que Página 1 continuasse, o jornalista teria de ser despedido e, a partir daí, foi ainda imposta “a criação de um serviço de censura externo na estação”.

Página 1 recebeu um prémio de rádio pela Casa da Imprensa, em 1971. Da mesma forma, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes, no ano seguinte. Porém, a cerimónia de entrega do prémio decorreu nos Coliseu dos Recreios apenas a 30 de março de 1974. De acordo com o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, citado pela plataforma, a sala estava superlotada, predominando a juventude. “Na ocasião, o jornalista disse: ‘Tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas coisas que vocês deviam saber’”.

Febre de Sábado de Manhã

A ideia era fazer com que a rádio saísse do estúdio. Febre de Sábado de Manhã foi um mítico programa de rádio conduzido por Júlio Isidro na Rádio Comercial, que chegou a levar 50 mil pessoas ao Estádio de Alvalade. “Foi quase intuitivo. Como eu fazia diariamente a Grafonola Ideal das 10h às 13h, comecei a sentir que estar 3 horas dentro do estúdio não eram o suficiente”, explicava o seu criador e apresentador, numa entrevista à própria Rádio Comercial, em 2019, a propósito dos 40 anos da estação. “Mais do que isso, como os ouvintes correspondiam a tudo aquilo que telefonicamente eu sugeria , ou quando lhes pediam para virem cá – um dia disse que não tinha tomado o pequeno almoço e perguntei se não se importavam de me trazer, tivemos durante o dia duas mil pessoas que trouxeram pequenos almoços -, comecei a ir para a rua”, contava lembrando uma vez que colocou as pessoas a escavarem na praia de Carcavelos. “Colocámos umas prendas enterradas e as pessoas tinham de as descobrir. A minha ideia era brincar com as pessoas”, continuava.

Júlio Isidro queria fazer uma coisa ao sábado. Um programa de rádio num palco, com gente a ver. “Comecei a ver que as pessoas alinhavam. Na altura a Rádio Comercial era proprietária do cinema Nimas. Fomos para lá, eram 180 jovens sentados a ver na primeira semana. Na segunda semana 360, que já estavam dois em cada cadeira. Na terceira semana, o bombeiro e o polícia já voltavam costas, porque também gostavam de estar a assistir. Já estava tudo cheio, tudo o que era insegurança estava ali”, brincou. Segundo o próprio, os jovens iam acampar de véspera para a Avenida 5 de Outubro. “O programa foi crescendo… Depois começámos a fazer em pavilhões desportivos e fiz o Estádio de Alvalade com 50 mil pessoas a assistir”, admitiu.

Segundo Júlio Isidro, o país parava para ouvir o programa. Foi no Febre de Sábado de Manhã que se estrearam os Heróis do Mar em pé de igualdade com o Mário Mata. Até os Broa de Mel começaram ali. O apresentador não tinha cachet e recebia apenas horas extraordinárias. “Havia passatempos, mas não oferecíamos carros. Isto não impedia que as pessoas se manifestassem. Não tenho a certeza se alguma vez oferecemos viagens. Lembro-me de um concurso em que se namorava ao telefone. Houve um rapaz que chegou a casar”, revelou numa outra entrevista ao Diário de Notícias.

Parodiantes de Lisboa

Muitos consideram que estes sabiam desafiar o regime como ninguém com o seu humor, fazendo os portugueses “encostarem o ouvido” à rádio portuguesa, durante mais de 50 anos. Das 20 às 21 horas do dia 18 de março de 1947, estreou, na Rádio Peninsular, o programa semanal Parada da Paródia. Segundo o jornal O LEME, realizado pelos Parodiantes de Lisboa – um grupo fundado pelos irmãos Rui e José Andrade (ambos já falecidos) -, contava, no seu início, com as colaborações de Ferro Rodrigues, Manuel Puga, Mário Ceia, Mário de Meneses Santos, Benjamim Veludo e Santos Fernando. Antes disso, entre fevereiro de 1946 e março do ano seguinte, os dois irmãos haviam comandado um jornal humorístico chamado A Bomba.

“Em 1960, a Parada da Paródia serviria de título a um outro semanário de humor, promovido pela mesma equipa”, escreve o jornal regional. “Por essa altura, os Parodiantes de Lisboa já apresentavam diariamente o programa Graça com Todos, emitido à hora do almoço. A sua repercussão era tal que as famílias deixavam de conversar à mesa para o escutar”, lembra. O Graça com Todos começou, mais tarde, a ser emitido também em Angola, Moçambique, Timor, Macau e Austrália.

Na rubrica Rádio Crime, por exemplo, os Parodiantes de Lisboa tinham as personagens que ficaram na memória de todos os que os escutaram, como foi o caso do inspetor Patilhas (José Andrade) e o ajudante Ventoinha (Rui Andrade, também autor do texto). Há quem recorde também o Compadre Alentejano, o Menino Arnestinho, o Delicadinho da Silva e o Amigo Fresquinho. Segundo a Hypotheses, “eram sempre uns casos com muito pouco mistério e umas confusões com maus resultados para o pobre ajudante do chefe detetive”. Há quem acredite que, à época, estes personagens simbolizavam a voz de todos aqueles que sentiam na pele as injustiças de viver num regime fascista. E, mesmo após a Revolução de Abril, há quem diga que o grupo serviu para alertar para a “liberdade incontrolada” que se seguiu. Além disso, defende a plataforma, ficam marcados os efeitos sonoros ao longo do programa (quase sempre feitos por eles) e as piadas fáceis com um final óbvio.

A 18 de março de 1997 (50 anos depois da sua formação), os Parodiantes de Lisboa acabaram, por decisão de Rui Andrade, contra a vontade do seu irmão, José Andrade.

Bola Branca

Segundo o Grupo Renascença Multimédia, assumindo-se como um marco do jornalismo desportivo, presente de forma afetiva no imaginário de milhares de portugueses, a Bola Branca foi o primeiro programa de desporto, à hora certa na história da rádio, em Portugal. “No ar desde 1980, foi criada por Artur Agostinho e Ribeiro Cristóvão, figuras emblemáticas na divulgação do desporto em Portugal, e assume-se na atualidade como o mais popular programa do género, no audiovisual Português”, escreve o site, lembrando que em 2015 chegou mesmo a ganhar o Prémio Quinas de Ouro, da Federação Portuguesa de Futebol, para melhor programa de Rádio. Segundo a tese de mestrado de Luís Miguel Nogueira, ‘Para a História do Jornalismo Desportivo Radiofónico em Portugal: O Contributo da ‘Bola Branca’, da Universidade do Porto, “dar muitas notícias em pouco tempo, com credibilidade, rigor e isenção, foram apenas alguns dos motivos que contribuíram para que tivesse conquistado rapidamente ouvintes fiéis e se tenha tornado numa das imagens de marca da Rádio Renascença”. “Bola Branca está intrinsecamente ligada à história do jornalismo desportivo radiofónico no nosso país”, defende-o na altura estudante de Ciências da Comunicação.

Nos finais da década de 70, o desporto não ocupava grandes espaços na antena. Na época, lê-se no texto, tudo se resumia aos relatos dos principais jogos de futebol do campeonato nacional, da Taça de Portugal e das competições europeias, de cuja produção se encarregava a Rádio Placard.

No entanto, “com a Renascença a adiantar-se na corrida pelas audiências, os seus responsáveis sentiram que havia também chegado a hora de dar à informação desportiva o espaço que se começava a justificar”. Ribeiro Cristóvão, chefe de redação, foi convidado a formar uma equipa desportiva e decidiu chamar Artur Agostinho acabado de regressar do Brasil, de um cativeiro a que se tinha sujeitado voluntariamente depois de ter sofrido muito após o 25 de Abril de 1974. A estes dois nomes juntou-se ainda Alves dos Santos, “figura carismática da televisão e um comentador de prestígio que marcava uma época na informação desportiva”.

Em tom de curiosidade, segundo a tese de Luís Miguel Nogueira, o nome Bola Branca havia sido utilizado num programa desportivo, criado por Rui Carvalho e Carlos Pereira, inicialmente transmitido na Emissora Oficial de Angola, durante o tempo da descolonização. Após a independência, viria a consolidar-se na Rádio Nacional de Angola. Citando Ribeiro Cristóvão “quando os primeiros jogos de futebol em Angola começaram a ser disputados à noite, ainda na década de 60, a iluminação nos estádios era pouco intensa, pelo que a bola tinha de ser branca para se ver bem”.

Oceano Pacífico

“Adormecia todos os dias a ouvir o Oceano Pacífico”, “O meu filho chama-se Marcos porque no caminho para o Hospital, o Oceano Pacífico estava a dar no carro”, “Costumava estudar ao som da voz do João Chaves”, “Na minha adolescência gostava muito de ouvir o Oceano Pacifico, namorei muito ao som das músicas calmas”, “No meu tempo havia aquele pequeno rádio a pilhas e cassetes. Colocava-o pertinho do ouvido para não acordar ninguém e lá ia eu pelo sono dentro”, “Há quase 29 anos atrás, andava grávida do meu filho mais velho. Como de noite não parava de se mexer e não me deixava dormir, colocava o rádio ao pé da barriga. Remédio santo… Acalmava ao som do Oceano Pacífico”. Estas são apenas algumas das muitas experiências que alguns viveram ao som do mais antigo programa em emissão nas rádios portuguesas.

Em 1984, João Chaves recebeu o desafio de iniciar a viagem no Oceano Pacífico por Jaime Fernandes, então diretor de programas da Rádio Renascença. Tinha algum receio por saber que os programas da noite eram conhecidos por serem feitos sobretudo de debates, ou apenas falados, sem música. No entanto, o locutor conseguiu mudar isso. Segundo o Público, o nome para o programa já existia, mas foi João Chaves que criou o conceito de músicas calmas. Depois de aceitar o convite, já em casa, não conseguia dormir e pensou que tinha de se acalmar. Nesse momento percebeu que toda a gente precisa de calma de noite e que faria sentido apostar num programa apenas de baladas. Quando começou a ter sucesso, as pessoas iam até à porta da rádio para saberem qual a cara por trás da voz, no entanto, segundo o próprio locutor acabavam por lhe dizer que este não tinha nada a ver com ela. Além disso, muita gente ligava para contar as suas histórias. De acordo com a mesma publicação, uma noite, um homem com um desgosto de amor ligou-lhe a dizer que se ia suicidar. Diante dessa situação, João Chaves prometeu que ia passar uma música que lhe era dedicada. E, depois de alguns dias acabou recebendo uma chamada da mesma pessoa, revelando que tinha pensado melhor. “Seis meses depois, estava noivo e ia casar-se”, escreveu o Público em 2010.

Três anos depois, interrogado pelo Nascer do SOL sobre o segredo para a longevidade do programa, João Chaves admitia não sabê-lo. “Mas o programa resulta durante tanto tempo porque tem muito a ver comigo. Sou uma pessoa calma, romântica, e o meu estilo enquadra-se perfeitamente no programa”, explicou. Sobre as horas passadas em estúdio este dizia serem “sagradas”: “Aquelas quatro horas são sagradas porque a cabine é um estúdio, um aquário, um oceanário, uma capela, um confessionário. Às vezes é ali dentro que descubro soluções para muita coisa. Se os ouvintes se sentem bem a ouvir um programa daquele tipo, de baladas, que transmite muita paz e alivia, também tem esse efeito, embora mais reduzido, para quem o faz”, revelava.

Marcos André substituiu João Chaves em 2013. Em 2022, Ana Colaço tornou-se a nova voz do Oceano Pacífico.