Os 100 dias da polícia

Não se pode continuar a pedir cada vez mais às forças de segurança e dar cada vez menos ou, pelo menos, não dar o mesmo que a outros corpos policiais.

Demonstrada a justa indignação e reconhecido politicamente o dano e consensualizada a necessidade de solução, só urge reparar a desconsideração salarial das forças de segurança, mas isso só já não basta.

Pura imperatividade, os primeiros 100 dias do próximo Governo da República precisam de cuidar da ferida salarial, aberta pelo atual Governo nas forças de segurança, que, entretanto, aguardam por isso, ansiosa, mas serenamente. E Portugal bem precisa que as forças de segurança estejam focadas na missão, prestando um serviço público de qualidade em condições dignas de trabalho, e sejam valorizadas pelo poder público. Não se pode continuar a pedir cada vez mais às forças de segurança e dar cada vez menos ou, pelo menos, não dar o mesmo que a outros corpos policiais – dos vencimentos às condições de trabalho e às instalações – e adiando as soluções para um futuro nebuloso ou implementando soluções socialmente desastrosas, como o encerramento das messes.

Em matéria de soberania não há espaço à hesitação. Igualmente, em matéria de economia também não, dado a mais valia do trabalho das forças de segurança em prol da relevância da indústria turística em Portugal e da realização de grandes eventos.

Obviamente, os 100 dias da polícia não se podem limitar à reposição da justiça remuneratória entre os corpos policias nacionais – justa para as mulheres e homens que juraram dar a vida, se necessário na defesa dos direitos humanos e na observância da lei. Nesses 100 dias importa alargar o horizonte e equacionar a aceleração do investimento na reparação das instalações policiais degradadas, na revisão das carreiras, na modernização da ação social, na alteração no modelo de recrutamento e, ainda, na reflexão sobre a restruturação orgânica e funcional das forças de segurança.

Por certo, o desafio é grande, o caminho não está isento de dificuldades, mas a vontade das partes é maior, tudo o resto há de vir por acréscimo, de acordo com a vontade eleitoral expressa na composição da próxima Assembleia da República. Assim sendo, ao próximo ministro da administração interna (e à sua equipa) caber-lhe-á uma tarefa digna dos doze trabalhos de Hércules, contudo nisso não há de estar só – certamente.

Do erro fica a lição, é agora tempo não só corrigir, mas também de ir mais além e abordar as causas mais profundas do protesto policial, que não se reduz à desconsideração salarial e, por arrasto, da missão das forças de segurança e das mulheres e homens que nelas prestam serviço, dia e noite, todos os dias do ano.


Ex-inspetor-geral da PSP e professor universitário