A degradação a que chegou o SNS português é hoje indesmentível e repercute-se dramaticamente na vida quotidiana de todos, sobretudo daqueles que dele mais precisam: os economicamente mais desfavorecidos (temos quatro milhões desses no limiar da pobreza!), os vulneráveis e os socialmente excluídos. As evidências amargas desfilam diariamente, propaladas pelos media, perante um país estupefacto que sempre ouviu dos seus governantes ser o SNS a tábua de salvação e o garante de equidade no acesso à sua própria saúde. Estas evidências não são ‘pontos de vista’, são esperas demasiado longas, são dificuldades no acesso aos cuidados, são perdas de oportunidade terapêutica, algumas irrepetíveis e, para os que se afoitem são esforços e até catástrofes financeiras inaceitáveis, que lhes roubam o presente e lhes tolhem o futuro. É este o SNS que temos no cinquentenário da revolução que lhe abriu caminho, um SNS que passou, paradoxalmente a promover a iniquidade em torno do acesso à saúde!
Não espanta por isso que, esmagadas pela indesmentível evidência e desejando oferecer melhor aos eleitores, as forças partidárias que se habilitam no próximo escrutínio apresentem soluções tendentes a quebrar o impasse na saúde. Soluções que refletem naturalmente a sua própria visão ideológica, seguindo nalguns casos o viés que tem conduzido o SNS à situação em que hoje se encontra… Mas deixemos os preconceitos ideológicos e reflitamos sobre as verdadeiras causas que nos conduziram até à presente situação ou, talvez melhor, sobre os erros que a condicionaram, erros que não deveríamos repetir. A situação do SNS decorre de um crónico somatório de falhas nomeadamente de organização, de financiamento e de gestão, mas que culminaram na crise do pessoal técnico; foi esse o ponto de viragem, o momento em que os profissionais com carreiras emperradas, mal remunerados e fustigados por horas extra de trabalho, resolveram dizer basta. Uns migraram para o estrangeiro outros para o setor privado debandando o emprego público e deixando vagas de formação por preencher – trocando o SNS que não os devia dispensar por destinos profissionais mais apelativos, numa competição que o serviço público nunca acautelou e para o qual não está preparado. O SNS deixou, simplesmente, de ser atrativo para os seus técnicos e a solução deveria passar por cativar os profissionais mediante melhores carreiras, melhores condições de trabalho e de vida, por oportunidades de formação e pela adequação das remunerações. Ao invés, assistimos à propositura de medidas de fixação forçada dos médicos, mediante períodos de compensação obrigatória e pagamento de indemnizações pela sua formação, em caso de saída. Medidas estas que intuitivamente se poderiam considerar justas, mas que são absolutamente desadequadas quando os serviços públicos de saúde, em franca perda, se acham num estado de absoluta necessidade. Ainda, são desadequadas por pretenderem fixar pessoal diferenciado de que tanto carece o SNS pela coação imposta, em vez de neles estimular competitivamente a preferência. Estas medidas só nos sugerem que quem tem dirigido o SNS não entendeu os motivos da sua crise e não reconheceu ainda, por visão curta ou mera arrogância pública, a desejável e até saudável competitividade dentro do sistema de saúde. Isto, enquanto parecem ignorar que os profissionais são a grande valia do SNS e que não devem, não podem ser forçados: ao invés, precisam de ser motivados e mais bem cativados. Se a inadequação do método agora sugerido não me oferece dúvidas, já sobre a sua falibilidade, caso se concretize, tenho absoluta certeza. Para mal de todos nós