Não é não

Os manuais de comunicação política fornecem-nos expressões inspiradoras  em diferentes latitudes que marcaram debates eleitorais.

Os bons comunicadores precisam de encontrar frases com elevado impacto que sejam facilmente compreendidas e mentalmente registadas pelos destinatários. Tratando-se de um debate político televisivo, por maioria de razão. Os espetadores não estão num ambiente de concentração absoluta em frente a um ecrã. Podem escutar mas não reciclar a informação, daí que o léxico político há muito que ‘plagiou’ a linguagem jornalística: frases curtas. Uma frase, uma ideia.

Os manuais de comunicação política fornecem-nos expressões inspiradoras que ao longo dos anos e em diferentes latitudes marcaram debates eleitorais. Recordo-me sempre do frente a frente entre François Mitterrand e Valéry Giscard d`Estaing, em 1981, para as eleições presidenciais. A dada altura, Giscard d`Estaing afirmou: «O senhor não tem o monopólio do coração». Miterrand foi surpreendido pelas palavras do seu adversário.

No caso de Luís Montenegro, a afirmação «não é não» no debate de segunda-feira com André Ventura não foi uma novidade. Desde o passado mês de setembro que o líder do PSD tem vindo a pronunciá-la em diversos momentos. No entanto, dita energicamente como foi o caso, logo na abertura do debate, sem que alguma pergunta tivesse sido formulada para o efeito, revela uma intencionalidade política de afastar o Chega de uma solução de governo e a necessidade de reforçar essa posição de princípio perante os eleitores. O que é que está em causa para Luís Montenegro? Três variáveis.

1. O PSD ou a AD nas eleições de 10 de março precisa de alargar a sua base eleitoral de apoio para almejar ser a força mais votada. Para isso, tem que comunicar para um eleitorado que nas eleições de há dois anos votou no Partido Socialista e agora reclama a mudança no espaço do centro, o chamado ‘centrão’ de que falava Vasco Pulido Valente.

2. Luís Montenegro tem ainda que travar o próprio desgaste do PSD, nomeadamente da ala mais à direita do partido que se revê no discurso antissistema do Chega.

3. Pela parte do PS, a estratégia, repetida à exaustão, é associar AD e Chega, criando no eleitor a convicção de que só o Partido Socialista impede o regresso da direita ao poder. Este ponto ajuda também a compreender o «não é não» de Montenegro.

Do lado do PS, os últimos dias ficam igualmente marcados por alterações no que diz respeito ao reposicionamento do discurso político de Pedro Nuno Santos. Os debates permitem verificar que num primeiro momento o secretário-geral do PS mostrava uma certa tolerância relativamente aos partidos que se enquadram na geografia da esquerda.

Essa ideia dos ‘compagnons de route’ não é mais possível quando o PS está a lutar pela vitória, com as sondagens a indicar um empate técnico. Nestas circunstâncias, um voto é um voto e todos contam. Pedro Nuno Santos não pode ter uma atitude contemporizadora com os pequenos partidos – Livre e PAN – assim como também não pode facilitar com os antigos parceiros do Bloco de Esquerda e da CDU. Nestas eleições, não há uma lógica do voto útil. Há duas. O PS precisa de centralizar o voto da esquerda assim como a AD precisa de reter o voto de uma direita que se foi reconfigurando nos últimos anos desde o aparecimento da Iniciativa Liberal e do Chega a que sucedeu o desaparecimento do CDS.

Agora que os debates entraram na segunda semana, aguardam-se novas sondagens que permitam avaliar qual estará a ser o seu real impacto na formação do voto. Estarão efetivamente os debates a influenciar os indecisos? Se sim, que partidos ou lideranças estão a retirar vantagem dos frente a frente? Os próximos estudos de opinião poderão dar algumas pistas para estas e outras perguntas, mas pode também acontecer que as tendências se mantenham inalteráveis pelo menos até ao dia 19 em que teremos o debate dos debates entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro.

Jornalista