1.No ciclo de 28 debates televisivos, a justiça começou por ser um tabu. Nenhum jornalista colocou o tema na primeira semana de debates. Nenhum político falou do assunto por iniciativa própria. Nenhum comentador pronunciou a questão que tinha levado à queda do Governo de António Costa. Foi como se as guerras entre ministério público e magistratura judicial, corrupção, tráfico de influências e outros delitos não estivessem na origem de uma crise política que interrompeu uma legislatura. Durante dias seguidos, a justiça abriu noticiários televisivos e fez as manchetes da imprensa escrita. Nas redes sociais, o mesmo debate: culpados ou inocentes. Imagino que no Portugal profundo, afastado da litoralidade onde a exposição aos media é maior, muitas pessoas se interroguem ainda hoje sobre o porquê de uma chamada às urnas dois anos depois de uma maioria absoluta do Partido Socialista.
Quando é que o tabu deixou de ser tabu? O ponto de inflexão deu-se com as detenções na Madeira, nomeadamente do presidente da câmara do Funchal, e as suspeitas sobre Miguel Albuquerque. A partir desse momento, líderes partidários e comunicação social começaram a falar do tema com incómodo, é certo, mas falaram.
Esta segunda-feira, soube-se que o juiz do processo Influencer desvalorizou as suspeitas sobre António Costa, considerando-as vagas. Na mesma segunda-feira, Miguel Albuquerque anunciava que estava a ponderar recandidatar-se não obstante o processo judicial em curso. Perante estes dados, a justiça voltou ao mesmo lugar onde estava há três semanas, ou seja, silenciada pelos atores políticos e mediáticos.
2. Na contagem para as eleições de 10 de março, está parcialmente concluída a fase da audiovisualização da política se considerarmos que o ciclo de debates televisivos está encerrado. Depois dos 28 debates que colocaram frente a frente os diferentes líderes com representação parlamentar, aguardava-se com natural expectativa o confronto televisivo entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Um deles será primeiro-ministro. Esta é a escolha nas democracias contemporâneas de base parlamentar como a portuguesa. Os eleitores votam em partidos, escolhem os 230 deputados, mas no centro do processo eleitoral está a liderança do governo. É a chamada ‘presidencialização do cargo de primeiro-ministro’ como referem alguns politólogos. Daí que sejam importantes princípios como a credibilidade, a confiança, a preparação, sendo que a liderança é a soma de todas estas variáveis.
É à luz deste enquadramento que os debates entre os candidatos à chefia do executivo são classificados como decisivos. É assim que as televisões os comunicam. Não é tão certo que seja assim que os eleitores os percecionem. Nas sociedades mediáticas, os debates são relevantes mas não são determinantes. O vencedor de um debate pode não vencer a eleição. Há dois anos, os comentadores deram a vitória a Rui Rio no debate com António Costa que conseguiu uma maioria absoluta. De igual modo, por exemplo nos Estados Unidos, há uns anos, John Kerry pelo Partido Democrata venceu o debate com o republicano George W. Bush. No entanto, a eleição foi ganha por Bush. Não existe, de facto, uma relação direta entre a performance mediática e o voto, embora a primeira não possa ser negligenciável.
3. No ‘duelo’ Pedro Nuno Santos/ Luís Montenegro, estava fundamentalmente em causa a conquista para o campo eleitoral de cada um do milhão e meio de indecisos. É um número muito elevado. Porventura, o mais elevado de sempre. São estes indecisos que irão certamente dar a vitória ao PS ou à AD. A dúvida está em saber se o debate contribuiu para a decisão de quem até segunda-feira não sabia em quem votar ou se, pelo contrário, as contas ficaram na mesma. Isto é: PS e AD em situação de empate. A confirmar-se esta segunda hipótese, resta a campanha de rua no país real por vezes tão afastado da bolha politica e mediática. Faltam 17 dias para as eleições.
Jornalista