Desengane-se quem esperava uma campanha vibrante, enérgica, com declarações políticas de elevado impacto e multidões à escala do interesse que a política desperta nos tempos que correm. Depois dos 30 debates, a campanha esgotou-se na televisão e a partir daí o discurso dos líderes tornou-se repetitivo e principalmente reativo. Não é certo que as linhas essenciais dos programas eleitorais tenham sido comunicadas com eficácia sobre a saúde, a educação, a economia e a segurança ou a justiça. Também não é possível dizer que os eleitores tenham apreendido a substância das propostas dos diferentes partidos e tenham já formado uma decisão sobre o sentido do voto. Em 2022, 14 por cento dos eleitores decidiram em que partido votar no próprio dia, à boca das urnas. Em termos de análise, esta imprevisibilidade decorre ainda da desconfiança, legítima, em relação às sondagens, dados os desacertos num passado recente.
Com uma margem escassa a separar as intenções de voto na Aliança Democrática e no Partido Socialista, a campanha vai evoluindo em função de um elevado taticismo. Palavras e atitudes são estudadas. Os temas mais ‘quentes’ da campanha são tratados com pinças. Há uma tolerância zero para erros. Há uma razão adicional para tal facto. Esta campanha decorre num ambiente de grande escrutínio. Não se trata apenas da avaliação natural e expectável do eleitorado. Aos votantes junta-se o exército de comentadores que nas televisões ocupam longas horas de antena, analisando minuciosamente todos os momentos da campanha, pontuando o desempenho dos candidatos e criando uma agenda paralela à dos líderes. São espaços de grandes audiências que as televisões precisam de valorizar para fortalecerem a componente informativa das suas grelhas e daí obterem mais share quer nos canais de raiz exclusivamente informativa, quer nos canais de sinal aberto.
É neste taticismo da campanha que surgiu um ‘ruído’ na campanha – a presença de Pedro Passos Coelho no comício da AD em Faro.
Algumas notas prévias: foi no espaço público versus mediático que se tornou persistente a figura de Pedro Passos Coelho. Criou-se a sebastianização do antigo líder do PSD e primeiro-ministro do governo da troika. O próprio Passos Coelho encarregou-se de se tornar uma reserva senatorial da nação. Não dá uma entrevista desde 2018. Fez meia dúzia de intervenções públicas, breves e quase sempre encaradas de forma enigmática quanto aos seus desígnios políticos: S. Bento ou Belém? Resposta: silêncio.
Ora, no primeiro dia da campanha, segunda-feira, Passos Coelho esteve no comício da AD em Faro. Falou 30 minutos. Não foi exultante. Foi contido. Foi cumprido um script expectável. Criou ruído? Criou. A sua presença na campanha terá acontecido para neutralizar o discurso de que existia um afastamento político com Luís Montenegro tendo por base a ausência de Passos Coelho na convenção da AD e a afirmação do próprio Montenegro de que o PSD teria que se reconciliar com os pensionistas. Os ‘spins’ da AD terão considerado que a presença de Passos Coelho numa iniciativa de campanha seria importante para fixar o voto num segmento dos votantes que se sentem hesitantes entre a AD e o Chega. Qualquer que tenha sido o enquadramento da decisão, o resultado não se fez esperar. Previsivelmente, a memória dos anos da troika é um terreno que municia todos os partidos. Não falta matéria desde os cortes das pensões, dos salários, do congelamento das carreiras, dos jovens que começaram a deixar o país num movimento imparável até aos dias de hoje. Por tudo isto, a presença de Passos Coelho em Faro acabou por alavancar as campanhas de toda a esquerda, nomeadamente de Paulo Raimundo, Mariana Mortágua e de Pedro Nuno Santos lembrando, criticamente, a direita do passado que governou o país há 8 anos.
Jornalista