Aescritora experimentalista norte-americana Gertrude Stein, nascida há 150 anos, a 3 de fevereiro de 1874, celebrizou-se ao dizer que «Uma rosa é uma rosa é uma rosa», para expressar que as coisas são simplesmente o que são. Na sua obra mais conhecida, The Autobiography of Alice B. Toklas (1933), narrou os anos em Paris, com Alice, a sua companheira de toda a vida, e o convívio com influentes escritores e artistas modernistas como Joyce, Nijinski, Picasso, Apollinaire, Cocteau, Braque e Matisse, entre muitos outros.
Não faltou quem duvidasse do seu talento e do estilo enfático e repetitivo: seria mesmo genial ou apenas uma cabotina? Sobre a genialidade, ela própria afirmava: «Leva muito tempo para se ser um génio. É preciso passar muito tempo sentado sem fazer nada, sem fazer absolutamente nada». Transpôs essa ideia para o libreto que escreveu em 1929 para a ópera Four Saints in Three Acts de Virgil Thomson. Mais tarde, em Everybody’s Autobiography (1937), diria: «Um santo, um verdadeiro santo, nunca faz nada; um mártir faz alguma coisa, mas um santo verdadeiramente bom não faz nada». Em Lisboa, Four Saints estreou em 2002, no Teatro de São Carlos, com encenação de Bob Wilson. Em 1993, no Teatro D. Maria II, também com encenação de Wilson, fora possível ver Dr. Faustus Lights the Light, uma obra de Stein inspirada no mito de Fausto.
Stein achava ter um lugar inquestionável na literatura. Prova disso é a história do seu retrato, pintado por Picasso, para quem posou umas 90 horas. No entanto, o artista, com apenas 24 anos, foi ficando cada vez mais insatisfeito com o resultado. Quando, por fim, se viu num impasse total, partiu para Espanha. Ao regressar, terminou o retrato de uma assentada, sem que Stein voltasse a posar. Quando esta viu a obra, notou que o estilo do pintor sofrera uma revolução total: o traço naturalista desaparecera e o corpo, prenunciando o Cubismo, era um conjunto de massas elementares; quanto ao rosto, lembrava uma máscara, refletindo a recente descoberta do artista da arte ibérica pré-romana. Ao reclamar que não se parecia com ela, Picasso retorquiu calmamente: «Pois não, mas irá parecer-se!». Obviamente, ele transportara algo da celebridade futura de Stein para o retrato, o que a deverá ter surpreendido. De certa forma, Stein estava a olhar para o seu próprio futuro imortal, que lhe sobreviveria, enquanto noutro retrato famoso, ainda que imaginário, Dorian Gray via o seu próprio passado mortal e desfigurado.
É interessante notar que o retrato de Stein, pintado entre 1905 e 1906, coincide com a publicação da Teoria da Relatividade Restrita de Albert Einstein, segundo a qual as leis da Física são as mesmas para todos os observadores em movimento uniforme, e a velocidade da luz é constante, independentemente da velocidade relativa da fonte de luz. As consequências são várias, o que inclui a dilatação do tempo – este passa mais lentamente para um observador em movimento do que para outro em repouso –, a contração do comprimento – um objeto que se move parece mais curto na direção do seu movimento quando visto por um observador em repouso –, a relatividade da simultaneidade – eventos simultâneos para um observador parado podem não o ser para um observador em movimento – e a equivalência entre massa (m) e energia (E), dada pela equação E = mc², onde c é a velocidade da luz. Tais efeitos, porém, só são percetíveis com velocidades comparáveis à velocidade da luz.
Muito se tem especulado sobre as possíveis influências da Relatividade no Cubismo, sem que muito se tenha concluído – veja-se Einstein, Picasso de Arthur I. Miller. Mas uma coisa é certa: o tempo deu razão a Picasso. Stein identificar-se-ia totalmente com o retrato, exibido durante décadas no seu célebre salon na rue de Fleurus. «Sou eu, e é a única reprodução de mim que, para mim, sou sempre eu», diria ela em 1938. De Picasso, dissera: «O período rosa terminou com o meu retrato», colocando-se assim no centro da mudança do artista para o Cubismo. Não o fizera, porém, inocentemente: Picasso era há muito um pintor consagrado, enquanto ela vivia numa relativa obscuridade, rejeitada por editores e ridicularizada pelos leitores. Morreria a 27 de julho de 1946, deixando em testamento instruções para que o retrato fosse doado ao Met Museum.
Assegurava assim o entrelaçamento eterno do seu nome (e, esperançosamente, também da obra) com a genialidade de Picasso – que, contrariando-a, não precisara de ficar muito tempo sentado sem fazer nada.
Químico