Mais importante do que saber qual é o partido que mais defende as mulheres, ou propositadamente confundir conceitos com ideologias, ignorando a importância civilizacional que representou o reconhecimento da ausência de liberdade por imposições sociais, falemos de futuro.
Este ano as Nações Unidas elegeram como tema para assinalar o Dia Internacional da Mulher o digital. E bem. Não há dúvida que a transformação digital, principalmente pela mão da IA, está a redesenhar o mundo. E se os avanços têm contribuído para melhorar o estatuto social e económico das mulheres, também sobrevivem riscos, nomeadamente na perpetuação das desigualdades e na criação de novas formas de discriminação.
Este é o momento de conhecermos a realidade e encontrarmos soluções equilibradas capazes de garantir um futuro mais equitativo e seguro.
Continua a ser evidente o fosso entre mulheres e homens tanto no acesso ao espaço e a competências digitais, como nas universidades e no mercado de trabalho das áreas ditas STEAM. Falamos de iliteracia, de pobreza digital e da necessidade de políticas transversais e estruturais de cooperação entre Estado, empresas e sociedade civil, sabendo que este objetivo não se esgota em investimentos nas infraestruturas digitais. Ou seja, não é apenas ajudar a ter uma cana de pesca e a ensinar a pescar, é garantir que as mulheres têm possibilidade e condições para efetivamente o fazerem.
A sub-representação das mulheres na criação, uso e regulação da tecnologia, tem inclusivamente contribuído para o reforço de um estereótipo antigo de que as mulheres não têm talento ou interesse nestes campos. Eu sou pela liberdade na diferença, mas tendo em conta as consequências, é importante garantir que este pré-conceito social não desvia a nossa atenção dos sistemas que produzem esta exclusão.
Por exemplo, para além da evidente importância da diversidade como fator de produtividade, menos mulheres no espaço digital significa menos dados deste grupo a alimentar modelos de IA de autoaprendizagem que, não sendo acautelado, pode levar a enviesamentos de género. Como se viu no mais recente caso dos ‘papas mulheres’ ou ‘nazis afrodescendentes’ e que levou à suspensão da funcionalidade de criação de imagens do Google Gemini, a própria correção do algoritmo não é menos difícil de resolver. A intenção até seria louvável, ou seja, evitar representações negativas estereotipadas como médicos apenas homens ou funcionários de limpeza apenas mulheres, mas o resultado, por via da sobrecompensação, foi absurdo, servindo para alimentar discursos tribalistas e teorias da conspiração que destroem mais do que constroem.
A verdade é que, num setor maioritariamente desregulado, a maior parte dos problemas não chegam sequer a ser detetados, corrigidos, ou reportados, como acontece com o assédio e violência online, que afeta desproporcionalmente as mulheres, com padrões que se reproduzem e reforçam, cometidos com inadmissível impunidade. Garantir ambientes digitais seguros é não só um pré-requisito de inclusão, como também um fator indispensável no combate a uma violência que não se contém no espaço digital, transferindo-se para a vida do dia a dia.
O caminho está a ser feito e, seja pela maior oferta de empregos seja pela nova flexibilidade laboral, o ‘fosso’ entre mulheres e homens nestas áreas, permanecendo enorme, está a diminuir. Mas a velocidade da tecnologia é exponencial e é preciso andar mais depressa. As mulheres devem estar na fundação deste novo mundo. E não apenas por elas, por todos.