Democracia-Casino

O nosso regime vive em genuflexão perante os interesses financeiros e a UE, subjugado a gigantes não eleitos como o BCE.

Vote ou não vote, hoje em dia os interesses instalados invariavelmente vencem. Bem-vindos à Democracia-Casino, na qual a casa ganha sempre. E o povo perde todos os dias.

O Há milhares e milhares de portugueses que não exercem esse direito. Claro que esses 40% (ou mais) de compatriotas não são todos cidadãos sem pinga de cultura política ou cívica. Essa enorme massa é heterogénea: incubará tanto desistentes como resistentes, e tudo o que há pelo meio.

Foquemo-nos então naqueles que faltam neste domingo porque não querem compactuar com o sistema e olham para esta ‘democracia’ como fantoche – são muitos e primos em primeiro grau dos votos nulos e dos votos em branco. A maioria destes corresponde a gente que comparece nas mesas eleitorais mas que também não se revê em nenhum partido.

Ora, estas pessoas estão certas. Realmente, o nosso regime vive em genuflexão perante os interesses financeiros e a UE, subjugado a gigantes não eleitos como o BCE.

Só alcança e fica no poder quem estiver disposto a engolir não um sapo mas uma chuva bíblica de rãs e pronto a jurar os poderes fácticos, desprezando os do povo. O establishment não admite muitos graus de liberdade e promove a cartelização. Por isso, agora não existem diferenças substantivas entre os programas dos grandes partidos ou antigas fraturas ideológicas como esquerda e direita. Ou isso, ou lá virá o maremoto de dívida soberana, maus ratings e ameaças.

É assim que tanto é viável um bloco central como uma geringonça, passando por um Livre coligado à AD (como se admitiu). É por isso que nunca existiu tanta oferta eleitoral mas diminuiu a audiência dos debates e cresceu o número de indecisos.

Logo, abstencionistas resistentes, brancos indignados e nulos em protesto estão a defender a causa certa, estão na trilha que importa. Só que o sistema é o tal Casino Royal, com a casa a sair sempre triunfante. No método de Hondt, num método proporcional como o nosso, os que não vão às urnas (ou não escolhem uma opção) acabam por beneficiar o Centrão.

Ou seja, quem entende que a escolha é uma farsa que mantém os oligopólios se vota alimenta máquina, se não vota engorda-a na mesma. Quem entende que votar equivale à dissolução da nossa soberania e à perpetuação dos privilégios de um punhado de portugueses, tentáculo de poderes estrangeiros, fica entre dois escolhos e acaba sempre conivente.

É por tudo isto que a casta apenas verte lágrimas de crocodilo pela abstenção na noite eleitoral, para logo a olvidar. Aliás, esse indicador até é distorcido, considerando a paupérrima qualidade dos cadernos eleitorais (que persiste porque é o que lhes convém). Só que a verdadeira participação eleitoral é ainda pior e nada se faz nem para a estudar, nem para a melhorar.

Solução? Há que encetar a reforma do sistema eleitoral e, mais do que um círculo de compensação à distorção Hondt, permitir que cidadãos independentes possam candidatar-se às legislativas sem estarem em partidos políticos. Há ainda que complementar esta democracia casanostra que, como se vê, de representativa tem pouco, como outras medidas de democracia direta e participativa. Mas será sempre duro. Afinal, como ir ao Casino e derrotá-lo? Eis a verdadeira pergunta de muitos biliões de dólares.

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