A dois dias das eleições, confesso que não consigo imaginar, o que seria de mim se não tivesse em Portugal, o direito e a liberdade de expressão. Confesso que não consigo, mesmo, imaginar o que significaria, para mim, ter de dar explicações sobre o meu pensamento, as minhas expressões, as minhas manias… No fundo, o que tenho descoberto sobre mim é que sou mesmo uma pessoa única no mundo e que não há ninguém, sequer, parecido comigo.
Tenho, também, à medida que vou acompanhado e conhecendo tantas pessoas, percebido que cada um de nós é profundamente individual e irrepetível. Sei, ainda, que a sociedade que se avizinha – e que ainda não está totalmente de pé – será uma sociedade totalmente plural. Igualmente, sei, que o próximo Papa terá, seguramente, de abrir a Igreja à diversidade de pensamento, aliás, já previsto no próprio Concílio Vaticano II. A Igreja do futuro terá de incluir uma Igreja plural – como a pensou, por exemplo, o Papa Bento XVI.
Mas como é que vemos que o Papa Bento XVI foi um Papa tão plural?
Simplesmente porque a sua primeira carta foi dirigida aos católicos que estavam debaixo do regime comunista chinês, sem preconceitos, reconhecendo, ainda, todos os bispos nomeados pelo governo, como bispos legítimos da Igreja Católica, mesmo que não tenham tido a nomeação pontifícia. Neste sentido, foram levantadas todas as excomunhões desses mesmos clérigos ligados ao regime chinês e que não faziam parte da tal Igreja clandestina.
Por outro lado, Bento XVI permitiu que todos os fiéis anglicanos que se quisessem juntar à Igreja Católica, pudessem continuar com as suas tradições litúrgicas e disciplinares. Desta feita, admitiu, mesmo, que todos os padres já existentes e todos aqueles que viessem a ser ordenados para o ministério de presbíteros, servindo esta nova realidade, poderiam ser escolhidos entre os fiéis casados.
Depois do caso especial dos clérigos de outras confissões cristãs não católicas que se convertessem ao catolicismo, agora era tempo de permitir que os fiéis casados, provenientes desta realidade, pudessem ser ordenados padres. Isto, sim, podemos dizer que se inscreve na linha dos progressistas e não tanto na linha dos conservadores.
Outro exemplo, por fim, foi o levantamento da excomunhão que recaia sobre os bispos e clérigos da Fraternidade São Pio X, permitindo-lhes celebrar os sacramentos próprios, conforme a tradição católica pré-conciliar. Neste mesmo sentido, foi permitido que todos os católicos pudessem seguir os ritos pré-conciliares.
Daqui, podemos dizer, seguramente, que foi um pontificado profundamente liberal e plural pensado a partir das realidade disciplinares que não fazem parte do corpo doutrinal da Igreja de todos os tempos: nem sempre os padres foram celibatários (aliás, São Pedro tinha sogra, logo…), nem sempre os sacramentos foram revestidos das mesmas formas (apesar de sempre terem sido considerados na sua essência como tal); nem sempre a disciplina eclesial foi a mesma, mas sempre foi igual o seu corpo doutrinário.
Talvez os políticos pudessem beber desta prática de Bento XVI: defensores de valores fundamentais da vida humana e liberais em tudo o que não constitui a forma exterior da sua realização.