Passei os últimos dias na Polónia, onde estive no ‘Congresso Europeu de Governos Locais’, para falar sobre a experiência de Oeiras em matéria de inovação e empreendedorismo. Suponho que tenham sido os indicadores da economia de Oeiras, em somente 46Km2 (cerca de 10% do produto interno bruto nacional, 30% da capacidade tecnológica instalada e terem aqui nascido 4 dos 7 unicórnios portugueses), a motivar o convite.
Senti, quer em Varsóvia, quer em Mikolajki (onde se realizou o encontro), a proximidade geográfica e de perceção para com a guerra. De uma forma geral, as pessoas falam do perigo do imperialismo russo subsequente a uma possível vitória daquele país na Ucrânia.
Recordei, durante estes dias, uma conferência realizada no longínquo ano 2000, na Universidade de Coimbra, na qual me diziam que as minhas preocupações para com a Rússia datavam da Guerra Fria. Respondi, então como agora, que as minhas preocupações são exatamente as mesmas dos países da Europa central e oriental. Estas remontam à Rússia sede do pan-eslavismo e da pan-ortodoxia, cuja ‘fronteira cultural’ e de segurança é a que Putin refere recorrentemente nas suas intervenções.
Para quem está distante, a inclusão da Rússia pós-soviética no sistema internacional resolvia o problema da ameaça. Todavia, para quem está próximo a mesma nunca desapareceu. A distância e a história mudam tudo, no que respeita à perceção.
O mesmo se passa com a guerra. Para nós, ainda que nos choquemos com o seu resultado, e que tenhamos sido imbuídos de solidariedade, particularmente no início da invasão, os seus efeitos não estão tão presentes no nosso quotidiano. Em Varsóvia estima-se em cerca de 1 milhão o número de ucranianos refugiados. Estão por todo o lado.
A guerra, bem como a ameaça russa, marcam a vida diária. Aqui, na campanha eleitoral em curso, nem sequer é tema.
Quando cheguei ao aeroporto para regressar a Lisboa deparei-me com um autocarro que dizia ‘Varsóvia-Kherson’, que descobri ser a carreira diária da capital polaca para o ‘inferno mais próximo’.
À entrada do autocarro estava um jovem, de cerca de 20 anos, alto e atlético, que recebia outros jovens da sua idade. Tinha uma lista na mão, que parecia ter alguns nomes, que o rapaz conferia com zelo. É uma cena que não faz parte das nossas vidas: os jovens que se alistam e se entregam ao destino.
Até para nascer é preciso ter sorte. Aqui, longe do olho do furacão, estamos cansados da guerra que parece não ter muito a ver connosco. Ali, ao lado da guerra, os miúdos continuam a ir combater.
Apesar de não estar a ser discutido com profundidade em Portugal, a União Europeia parece estar a mudar a perceção da sua segurança. A guerra começou há já dois anos, foi esse o tempo que a UE levou a perceber que precisa efetivamente (e coletivamente) de reforçar a sua defesa. A recente iniciativa da Comissão, que aprovou uma nova estratégia para a indústria de defesa, é salutar, mas chega num momento no qual os ucranianos já quase não têm munições para se defender – e quando o congresso norte-americano não aprova o reforço orçamental para apoio militar à Ucrânia (voltamos à questão da perceção da ameaça).
Ainda que estejamos a correr atrás do prejuízo, pelo menos já começámos a correr. Pena que tantos jovens tenham que ter morrido e que, provavelmente, alguns dos que vi entrar no ‘autocarro para o inferno’ ainda venham a morrer, numa guerra que julgamos não ser nossa, mas que nos vai marcar a vida, direta ou indiretamente.
Até para nascer é preciso ter sorte.