Além da instabilidade económica e social vivemos também uma crise política de excepção que vai retardando um novo ciclo auspicioso. É este momento de turbulência e ausência de rumo que conduziram o País a um estado crítico mais grave do que a propaganda socialista faz crer.
A maioria dos eleitores optou, em 2022, pela continuidade de um partido de maioria absoluta como pressuposto da estabilidade prometida à exaustão. Por isso, é inaceitável acrescentar o que poderá vir a ser uma crise política perene à incerteza e complexidade dos desafios globais que enfrentamos para o nosso destino colectivo, cujos efeitos não foram plenamente revelados.
A crise complexa foi aprofundada pelas opções políticas do governo com falta de inteligência política, cujos resultados desastrosos evidenciam e os portugueses sentem. O discurso arrogante, com demagogia, dramatização e encenação para manipular a realidade e a ausência de diálogo sério conduziram a perda de autoridade e à ingovernabilidade do País.
A elite política continua na redoma do tempo a ignorar as sérias implicações de segurança, estratégicas e económicas dos confrontos geopolíticos numa ordem internacional anárquica. E é confrangedor a ausência de debate sobre a política externa e o estado crítico das Forças Armadas relativo ao inquientante desinvestimento, à falta de pessoal e à degradação da condição militar que afectam a capacidade operacional para os compromissos com os aliados e com a nossa defesa numa Europa em guerra.
Os governantes das últimas décadas confirmam padrão de uma elite política que faz promessas, sabendo que não vão ser cumpridas e não são devidamente escrutinadas. Ignóbil cumplicidade!
Para virar a página do sucesso foi necessário erradicar a palavra austeridade, quando aumenta a pobreza encoberta e muitos gemem baixinho esmagados pelo custo de vida. Fica o desafio aos governantes para o choque de realidade no voluntariado!
As “contas certas”- eufemismo da austeridade criativa- estão sentadas em cima do Estado disfuncional com espessa camada de mistificação. E do caos dos serviços públicos, da degradação das funções de soberania e da disrupção social inegável! Alguns vão insuflando os egos sem saberem como disfarçar o embuste face à dimensão das medidas necessárias para evitar o colapso!
Com efeito, a emergência na Saúde e na Educação, a grave crise na habitação e na Justiça e colapso das Forças Armadas são os ativos tóxicos dos governos socialistas. Resultam do padrão de governação dos 5-I com base na inépcia dissimulada, na incompetência normalizada, na ignorância arrogante, na incoerência discursiva, na irresponsabilidade astuciosa e na impunidade estimulada. Em política o inesperado acontece!
As Finanças Públicas equilibradas são importantes na boa governação, mas com ponderação entre a redução da dívida, a dimensão do alívio fiscal e o aumento de investimento público.
Não basta apresentar a bandeira do maior excedente orçamental. Sem ambição e capacidade reformadora com estratégia vamos continuar a empobrecer por mais que torturem os números e estatísticas.
António Costa alcançou o desígnio da “maioria absoluta” através de artificialismos num jogo de sombras com espelhos. Foram exploradas a fragmentação e radicalização da direita com a vitimização e dramatização absurda, criando o medo nos eleitores!
Em 2024, porém, a mesma estratégia não resultou! Como dizia Leonel Brizola “A política ama a traição e odeia o traidor”. Nas eleições mais participadas foram os socialistas que mais deputados perderam (43) concedendo uma vitória à maioria de direita com perda 31 lugares para o Chega. Ironia do destino de quem mais hostilizou. Há um país sábio para além das obscuras esferas do poder!
Costa e os seus ministros traíram o eleitorado! Não tiveram talento e humildade para transformar a oportunidade única numa efectiva reconfiguração do campo de acção política com gente adulta alimentada pela reflexão da sociedade. O PS perdeu credibilidade, confiança dos eleitores e autoridade para exigir condições de governabilidade nos próximos tempos, que só alimenta a agenda mediática com a mão invisível da manipulação.
Temos assistido incrédulos à subversão do poder, à falta de transparência, ao desprestígio das instituições e à soberba da impunidade com a persistente deterioração do sistema político e judicial. O padrão de governação e a pérfida experiência das maiorias absolutas permitiam antecipar o dilema entre poder e corrupção que tinha um juiz: a ética abandonada pelo nepotismo socialista, que se inebriou pela húbris!
A implosão autofágica era expectável pela governação desastrosa e sucessivas negligências sobre ética e decência, que são um insulto à democracia. Pedro Nuno Santos candidato a PM, apresentou-se nas legislativas como se não tivesse feito parte do inaudito legado de lodaçal ético e deontológico!
E, desde 2015, que não se vislumbra ambição programática, pensamento estruturado e visão estratégica para o país com um modelo de governação, que assegure a governabilidade.
Ficará para a história o fatídico “habituem-se” como resumo de um tempo e de um modo em que nunca a palavra dada foi tão desonrada num país que definha, empobrece e vive na ilusão do oásis há muito prometido! Os políticos só deixarão de ser amadores incompetentes, quando os eleitores forem profissionais!
E caso não haja alternativa ao precipício resta-nos a solução já constatada nos tempos de Eça de Queirós: “continuar a mendicidade por essa Europa fora, esperando que outros nos governem e alimentem”.
Vivemos tempos de inquietação e incerteza, que vão exigir organização, competência, coragem nas decisões com a melhor informação. E lideranças responsáveis com capacidade de agregar e dialogar com sentido de responsabilidade e tolerância.
A história nunca foi complacente para quem não reconhece a evolução da mudança e se mantém refém do passado. Urge recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos e conseguir razões para a renovação de esperança. E recuperar a confiança para não trair futuro de Portugal.
Capitão-de-fragata (Reforma)