Lembro-me dos tempos em que a moda das calças de marca que custavam um balúrdio – como as Levi’s, Chevignon, Uniform ou El Charro – deixavam alguns filhos e pais em conflito: os primeiros porque queriam muito tê-las e os segundos porque as achavam demasiado caras.
Hoje a grande sensação entre os jovens são os ténis de centenas de euros. Mas para alívio dos pais, tal como há uns anos surgiu a moda das ‘calças da feira’ compradas nas barraquinhas azuis da Praça de Espanha, hoje há alternativas muito em conta em plataformas de comércio online de produtos de qualidade e origem duvidosas.
A diferença é que enquanto antigamente ia-se à feira de vez em quando, hoje os jovens andam com a feira no bolso e alguns investem compulsivamente em compras desnecessárias, seja de artigos de moda, eletrónicos, acessórios, produtos de beleza ou outros de utilidade discutível. Esta facilidade por vezes conduz não só à compra excessiva como à desvalorização emocional dos artigos. É como um saco roto, em que entram coisas novas constantemente, mas que continua sempre vazio.
Esta tendência representa um bocadinho a da nossa sociedade e também a dos jovens. Do desejo à sua concretização o caminho é muito curto. Neste sentido há menos paciência para tudo o que é mais demorado e exige espera ou dedicação, há menos capacidade para aceitar imprevistos e deceções e menos construção do desejo. A realização é muitas vezes imediata e o tempo de expectativa e elaboração cada vez mais curto. Se há uns anos assistimos à chegada da fast food, hoje vive-se no fast world. Os jovens aprendem a viver num mundo mais fácil em que não é preciso esperar: se querem falar com alguém basta pegarem no telefone, se querem fazer uma compra o caminho é o mesmo, se estão numa interminável viagem de carro navegam na internet e o tempo passa a voar, se têm trabalhos de casa que exigiriam algum tempo de dedicação, pedem ao ChatGPT e em segundos está feito.
Resta saber que impacto este estilo de vida pode ter na capacidade de resiliência, de tolerância, de resistência à frustração e também no espaço que fica para fantasiar ou construir, para lidar com a imprevisibilidade e encontrar alternativas. Até que ponto este facilitismo conduz realmente a um sentimento de satisfação ou realização. Quando é tudo cada vez mais descartável e imediato, tal como os ténis de plataformas duvidosas, a matéria de que se fazem os projetos, as relações, os desejos e as construções mentais e físicas, corre o risco de também ser cada vez menos sólida e de menor qualidade e durabilidade. Até nas famílias, que deviam ser pilares para os mais novos, notamos cada vez mais esta vulnerabilidade. Numa sociedade em que importa mais o que consumimos e aparentamos do que aquilo que construímos e somos, tudo o que implica tempo, dedicação, reflexão, espera, como as relações – seja com o próprio ou com os outros – pode ficar comprometido.
Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
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