Foram 8 anos de governos liderados por António Costa. O ciclo chegou ao fim. Pelo menos, com a marca de António Costa que viu implodir uma maioria absoluta não por causa de um parágrafo de um comunicado da Procuradoria-Geral da República mas porque não teve capacidade ou força políticas para se rodear de talento. De facto, em política, a palavra talento é não só apropriada como cada vez mais exigível pelos eleitores. O que é que aconteceu? António Costa ganha as eleições de 30 de janeiro de 2022 com um resultado que lhe permitiria governar durante 4 anos, qualquer que fosse o ruído da oposição e do Palácio de Belém. Três semanas depois, a 24 de fevereiro, a Ucrânia é invadida pela Rússia. A partir desse momento, sucedem-se as reuniões no quadro da NATO e da União Europeia. António Costa tal como os restantes chefes de Estado e de governo dos 27 passa grande parte do seu tempo nos fóruns internacionais. Internamente, a liderança politica do governo enfraquece. A oposição torna-se mais vigilante. A Presidência dá sinais de desconforto e verbaliza criticas ao governo. Numa entrevista à RTP e ao jornal Público, no dia 9 de março de 2023, Marcelo Rebelo de Sousa fala num governo que nasceu de uma «maioria requentada e cansada» e que o primeiro ano do executivo foi «praticamente perdido». Estava dado o sinal de que nunca mais António Costa e Marcelo iriam poder abrigar-se do mau tempo sob o mesmo guarda-chuva. O caso Galamba e a demissão que Belém queria que acontecesse mas que Costa recusou contribuirão para um cisma nas relações entre Belém e S. Bento nunca mais recuperável. O processo ‘Influencer’ foi o detonador de uma situação com contornos de instabilidade que se vinham antecipando há já algum tempo.
É esta sucessão de acontecimentos que ajuda a compreender a dissolução do Parlamento, a demissão de António Costa e a marcação de eleições antecipadas para 10 de março. Foi uma noite imprópria para cardíacos. Nos últimos 50 anos, o tempo que levamos em democracia, nunca um país esteve tantas horas na dúvida sobre o vencedor das eleições, tão escassa que foi a diferença de votos e de mandatos entre a AD e o PS. A única certeza às 20 horas, confirmada ao longo da noite, foi que o Chega iria ter um resultado histórico – cerca de 50 deputados. Um milhão e 100 mil votos. Surpresa? Não. Durante semanas, as sondagens previam que o partido de André Ventura iria conseguir entre 15 a 20 por cento dos votos. O problema é que nos círculos políticos e mediáticos foram poucos os que acreditavam que tal pudesse acontecer. Ninguém quis analisar o fenómeno Chega antes das eleições. Esse estudo terá que ser feito agora. Terá sido apenas um voto de protesto a avaliar pela transferência significativa de votos do Partido Socialista? Em parte sim, mas não só. Um milhão de votos não resulta apenas do protesto e do descontentamento. A sociologia política encarregar-se-á de encontrar explicações para a nova realidade. O Chega é uma das variáveis mas é sobre o governo da AD que incide o ónus da estabilidade que se deseja num quadro de minoria. Também neste ponto passamos a estar alinhados com a maioria dos países Europeus onde existem governos minoritários ou governos de coligações. Alguns são designados por coligação semáforo como é o caso do executivo alemão, dada a inclusão de diferentes cores partidárias.
Entre nós, Luís Montenegro irá liderar um governo minoritário. A ideia de um bloco central ficou nos anos 80. Não é possível nem desejada por socialistas e social-democratas. À direita, o «não é não» em relação ao Chega voltou a ser repetido por Luís Montenegro na noite eleitoral. Nestas circunstâncias, é de admitir que a palavra que mais irá ser referida nos próximos tempos seja negociação. Negociar em minoria é um exercício político exigente que põe à prova a capacidade das lideranças, a solidez técnica e política dos eleitos, a sua credibilidade e competência. Em suma, o desafio de Luís Montenegro é rodear-se de talento porque, isso sim, os portugueses percebem e valorizam.
Jornalista