Mundial de Fórmula 1 2024 teve início no Bahrain, sem qualquer piloto estreante. Há quatro décadas a história foi diferente. A 21 de março de 1984, um jovem brasileiro de 24 anos apareceu no paddock de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro (Brasil), e começou aí uma das histórias mais fantásticas do desporto automóvel. Foram apenas dez anos, mas foram os melhores dez anos da Fórmula 1. Ayrton Senna da Silva é considerado por muitos pilotos, diretores de equipa, jornalistas especializados e fãs como o melhor piloto de sempre. Destemido, carismático e com uma habilidade extraordinária, conquistou três campeonatos do mundo (1988/1990/1991), 41 vitórias, 80 pódios e 65 pole positions. Sempre que se sentava num carro de corrida proporcionava momentos mágicos e espetaculares. Os brasileiros viviam intensamente as corridas e havia festa rija sempre que ganhava. Tornou-se o ídolo de uma nação. A lenda continua viva e à pergunta ‘Quais os melhores da história da Fórmula 1’, o ChatGPT respondeu: «1.º Ayrton Senna, 2.º Michael Schumacher, 3.º Lewis Hamilton, 4.º Juan Manuel Fangio, 5.º Alain Prost». A história de Ayrton Senna ultrapassa em muito a vida de piloto. A sua determinação, coragem e busca permanente pela perfeição ainda hoje motiva as pessoas a lutarem por aquilo que ambicionam. Passando isso para o desporto automóvel, quando se pergunta a miúdos do karting qual o piloto preferido, não hesitam em falar de Ayrton Senna, apesar de nunca o terem visto correr, mas existem as imagens para contar uma história que ficou por terminar.
Quando colocava o capacete e saía para a pista, piloto e carro uniam-se numa simbiose perfeita. Executava manobras que mais ninguém fazia e realizava voltas de qualificação impressionantes, que deixavam os adversários perplexos e estamos a falar de pilotos como Niki Lauda, Alain Prost, Nelson Piquet, Nigel Mansell e Gerhard Berger. «Não conheço outra maneira de guiar senão de maneira arrojada. Quando é hora de ultrapassar, eu ultrapasso. Cada piloto tem o seu limite, o meu está um pouco além do dos outros», disse.
Ayrton Senna viveu intensamente. Deu sempre o máximo em pista, mas tinha outras preocupações. Lutou para aumentar a segurança dos pilotos, chocando de frente com o inenarrável presidente da federação internacional. Mal sabia que seria o primeiro e único campeão do mundo a morrer em pista. Há, igualmente, outra triste coincidência na carreira de Ayrton; foi ao volante de um Williams que fez o primeiro teste de Fórmula 1 (Donington Park, 1983) e foi ao volante de um Williams que morreu 11 anos depois (Imola, 1994). Ficaram por cumprir vários projetos. Ayrton queria igualar Juan Manuel Fangio com cinco títulos mundiais, atingir as 100 pole positions e correr pela Ferrari; seria a junção de dois mitos da Fórmula 1. O presidente da Scuderia à época, Luca di Montezemolo, revelou mais tarde que havia uma negociação para que isso acontecesse: «Ele queria vir para a Ferrari e eu queria-o na equipa», recordou.
Ayrton teve uma ascensão meteórica e fulminante até chegar à Fórmula 1. Antes de ser contratado pela Toleman, Senna testou com a Brabham, Williams e McLaren, mas optou pela equipa mais modesta. «Era melhor assinar com a Toleman do que me aposentar no automobilismo», justificou. Senna esteve a um pequeno passo de ser colega de Piquet na Brabham, mas recusou a proposta financeira apresentada pelo patrão da equipa, e chegou a dizer: «O Bernie tem de botar a mão no bolso».
A correr em casa
A estreia mostrou que não era um piloto como os outros. Ayrton sabia até onde poderia chegar e, antes da qualificação, afirmou: «O Toleman TG 183B é forte, resistente, mas é um modelo ultrapassado em termos de velocidade. Isso vai-se refletir na classificação. Vai ser muito difícil partir de uma boa posição». Fez o 16.º tempo nos treinos cronometrados entre 27 pilotos. Mesmo sendo rookie mostrou grande conhecimento do que era a Fórmula 1. «Durante a corrida, devido ao baixo consumo do motor Hart e à resistência do carro, a possibilidade de ganhar posições é grande. Eventualmente, no final da corrida poderei conseguir uma classificação surpreendente. O importante é manter a calma, dar o máximo e encarar o resultado como uma nova fase na minha carreira», disse. Contudo, esteve quase a não correr. Quando ia a caminho da grelha de partida detetou uma fuga de gasolina, mas o problema foi solucionado in extremis.
Longe dos holofotes das transmissões televisivas, fez uma boa partida e ganhou três posições na primeira volta. Continuou a recuperar e chegou à nona posição antes de ficar parado, à nona volta, com uma avaria no motor Hart. «O turbocompressor quebrou. Alguma coisa aconteceu, porque o carro começou a vibrar bastante», explicou. Não foi a estreia que esperava, mas o melhor estava para acontecer. Quinze dias depois, na segunda corrida do campeonato, realizada no circuito de Kyalami, na África do Sul, mostrou o seu talento e terminou em sexto, foi o primeiro ponto dos 614 conquistados na Fórmula 1.
Passado um ano, Ayrton Senna fez a primeira pole position com o bonito Lotus 97T, com motor Renault V6 1.5 turbo com 1.100 cv! Depois, deu uma serenata à chuva no autódromo do Estoril e ganhou o seu primeiro grande prémio. A corrida foi disputada sob chuva diluviana e com a pista completamente alagada. Na primeira volta deu 2,5 segundos aos rivais e mais ninguém o viu durante duas horas. Ganhou com uma média de 145,1 km/h e apenas não dobrou o segundo classificado, Michele Alboreto (Ferrari), mas o italiano ficou a mais de um minuto. Conseguiu também o seu primeiro Grand Slam, ou seja, vitória, volta mais rápida e pole position. Hoje em dia é impossível ver exibições deste calibre pela simples razão de que não haveria corrida. A Fórmula 1 (ainda) vive muito dessa memória.
No final da prova, comentou: «Os organizadores tinham-nos dado dez minutos extra para nos adaptarmos à chuva. Estava tão perdido naquelas condições. Depois de ter saído do seco para o molhado com o depósito cheio não fazia a mínima ideia de como o carro se iria comportar. Saí das boxes “pisando ovos”, com medo de perder o carro naquela volta e não largar. Na partida senti que o carro estava normal e fui embora». No final reconheceu que «o carro escorregava por todo o lado, era muito difícil manter o controlo. As pessoas pensam que não cometi erros, mas isso não é verdade, não tenho ideia de quantas vezes saí! Uma vez tive as quatro rodas na relva, totalmente fora de controlo, e o carro voltou à pista». Senna contou depois o segredo para a sua rapidez em pista molhada. «Lembro-me da minha primeira corrida de kart à chuva. Foi um desastre, uma piada total. Não conseguia fazer nada. Era estranho, porque no seco era bastante bom. Nesse dia percebi que não sabia nada de pilotagem à chuva e comecei a treinar em piso molhado. Sempre que chovia, lá estava eu, a testar e a treinar. Foi assim que aprendi a andar na chuva».