Broa é malhar no gado

Nestas últimas décadas, a política portuguesa abdicou da eloquência oratória, da elevação no debate, do sentido de Estado.

Ali o Zé conseguiu mais um acordo na concertação social! É o maior! Grande negociante… aquilo é como uma feira de gado! Parabéns». Que político português se referiu assim a essa comissão de direito de trabalho, comparando-a a um mercado de bovinos e suínos? Que político deste país andou a vexar a pronúncia das pessoas do Norte, o Tony Carreira ou gestão das empresas portuguesas?

E que tal «Eu gosto é de malhar (nos meus adversários)»? Quem disse? Já agora. «António Costa ainda tem de comer muita broa para lá chegar»,terá sido proferido por quem? Eis uma pista – pelo mesmo. O mesmo que também cunhou de «ayatollah de Barcarena» um diretor de informação da TVI. Terá sido André Ventura? Não, não foi . Poderia ter sido, só que não. Foi, nem mais nem menos, o seu arqui-inimigo, o seu oponente – espelho, o negativo da fotografia, Augusto Santos Silva.

Como é que tolerámos este tipo de discurso de alguém que chegou a presidente da Assembleia da República?! Lembram-se do vídeo apagado na receção ao Lula? Que soberba! De resto, coincidente com a eternização de Santos Silva na gestão da coisa pública – esteve em cinco governos!

Portanto, entre desaforos, altivez e repetições sucessivas de cargos públicos, não se estranhe a sua não eleição pelo círculo fora a Europa. Mora aí alguma ironia pelo constante conflito com o líder do Chega que, no fim, é quem o derruba? Sem dúvida – Augusto e André cultivaram esse ódio mútuo porque são simétricos, duas faces da mesma moeda, e a sua animosidade mútua não passa de identificação projetiva – todos não suportamos ou suportamos ainda menos no outro as nossas próprias piores falhas.

Esse mui histórico socialista empregou, durante anos, a verdadeira linguagem do bate boca da bola, delapidou a necessária gravitas ou formalidade das instituições e depois foi para o palanque da assembleia da república exigir a um concorrente seu mais jovem que lavasse a palato antes de botar faladura.

Pelo meio, andou grande parte da opinião publicada a desculpar Santos silva e a acusar Ventura de transladar o linguajar futebolístico para o coração da política, como se existisse um

Trauliteiro do Bem e um trauliteiro do Mal. Aliás, Santos Silva não foi o único – para criticar o Chega muitos terçaram as mesma armas que lhe condenavam – pessoas como Ana Gomes bradaram que devia ser ilegalizado. Ou seja, totalitarismo para combater totalitarismo.

A cegueira é tal que, vendo o lugar do círculo fora da Europa escapar ao seu amigo, o antigo embaixador Francisco Seixas da Costa falou agora da «grunhice dominante». De resto, também Raul Vaz – ex-diretor do Diário Económico ou do Jornal de Negócios – insultou com vernáculo reiteradamente Ventura num programa de comentário na Antena 1, sem que nenhum dos seus colegas presentes manifestasse desagrado.

Nestas últimas décadas, a política portuguesa abdicou da eloquência oratória, da elevação no debate, do sentido de Estado. Pelos vistos, queriam que a devassidão fosse exclusiva de quem se arroga Dono da Democracia, quem acha que a passagem pelo 25 de Abril lhe conferiu direitos especiais, uma espécie de eterno passaporte diplomático, uma imunidade e uma impunidade nas palavras e nos atos. Nada disso. Agora o deboche democratizou-se. Viva abril.

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