Trump e a NATO

O aumento das despesas militares só pode fortalecer a NATO, e agitar o papão de Putin pode não ser nada subtil, até desagradável ou antipático, mas quando nada mais resulta após décadas de queixas sobre o injusto burden-sharing.

Novas declarações de Trump sobre a NATO, num comício na Carolina do Sul, a 17 de fevereiro, motivaram acusações de estar a planear tirar os EUA da NATO, de ser extorsionista para com os aliados, de incentivar a Rússia a atacar a NATO, e até de encorajar uma terceira guerra mundial.

O que disse Trump afinal?

«A OTAN estava de rastos até eu aparecer. Eu disse: ‘Todos têm de pagar’. Eles disseram: ‘Bem, se não pagarmos, ainda nos protegerás?’ Eu disse: ‘Absolutamente não’. Eles não acreditavam na resposta. Perguntaram; um dos Presidentes de um grande país levantou-se e disse: ‘Bem, senhor, se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, vai proteger-nos?’ Eu respondi: ‘Não pagou, está inadimplente?’ Ele disse ‘Sim’. Digamos que isso aconteceu. ‘Não, eu não vos protegeria, na verdade eu encorajá-los-ia a fazer o que diabo quiserem. Têm de pagar. Têm de pagar as vossas contas.»

O contexto é bem conhecido, o do compromisso dos países europeus da NATO assumido em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, de gastar no mínimo 2% do PIB em defesa.

Eis os dados, para cerca de 10 anos depois, em 2023, de acordo com a NATO (Gráfico):

Preenchendo estas percentagens com o PIB dos ‘grandes’ europeus (PIB superior a 1MMUSD), temos a seguinte tabela (Quadro 1).

Trump, como homem de negócios, olha para os números e constata que, entre os ‘grandes’ europeus, há muito dinheiro em falta – pelos nossos cálculos, cerca de 56,9 mil milhões USD, contando só os ‘grandes países’.

Consultando a tabela, também é fácil descobrir qual o presidente do ‘big country’ europeu a que Trump se refere. Efetivamente, a Alemanha é responsável por 33,5% do ‘prejuízo’, cerca de 19 mil milhões USD.

Em relação ao tal diálogo com o presidente europeu, Trump acrescenta: «Digamos que isso aconteceu», sinalizando que a conversa é imaginária, meramente exemplificativa e sem necessariamente ter ocorrido em concreto. Está a falar para a sua audiência da Carolina do Sul e imagina um diálogo para passar a ideia de que será inflexível com os países da NATO que não cumprirem a regra dos 2%.

Na realidade, a posição de Trump é conhecida, pelo menos, desde 2016, quando foi entrevistado no Washington Post pelo jornalista Charles Lane: «… Diga-me mais alguma coisa, porque parece que quer apenas tirar os EUA [da OTAN]».

Trump: «Não, não quero retirar. A OTAN foi criada num tempo diferente. A OTAN foi criada quando éramos um país mais rico. Não somos mais um país rico. Pedimos emprestado, pedimos imenso dinheiro em empréstimos. Pedimos empréstimos à China, o que é uma situação incrível. Mas foi uma coisa muito diferente. A OTAN custa-nos uma fortuna e sim, estamos a proteger a Europa com a OTAN, mas estamos a gastar muito dinheiro. Número um, acho que a distribuição de custos tem de ser mudada. Acho que a OTAN, enquanto conceito, é boa, mas não é tão boa como era como quando apareceu.»

Para os que já andam nisto há algum tempo, não é nova a queixa estado-unidense sobre a falta de empenho europeu na defesa; a polémica sobre o célebre ‘burden-sharing’ anda no ar há décadas. Um dos argumentos é que a contribuição norte-americana é várias vezes superior à de todos os outros países da NATO combinados. Na realidade, supera 16,5 vezes a dos maiores países europeus todos juntos (Quadro 2):

Em recente entrevista (The Hill, 18/2/2024), o presidente do Comité de Informações da Câmara de Representantes do Congresso, Mike Turner, defendeu os comentários de Trump sobre a NATO, argumentando que este aumentou o financiamento para a OTAN, acrescentando que «é muito, muito forte o seu apoio» à Aliança Atlântica. «Isso é o que eu sei. Os comícios políticos de Donald Trump não se traduzem realmente nas políticas reais de Donald Trump … Se olharmos para suas políticas, se olharmos para seu histórico, ele realmente aumentou o financiamento para a OTAN, aumentou a European Reassurance Initiative e, de facto, foi o primeiro presidente a dar armas letais à Ucrânia. Então, acho que o histórico dele é forte, e acho que isso é o que é importante.»

Outra coisa não podia ser, porque Trump, na realidade, estava a incentivar o aumento de despesas militares dos países europeus, e não a sua diminuição. O aumento das despesas militares só pode fortalecer a NATO, e agitar o papão de Putin pode não ser nada subtil, até desagradável ou antipático, mas quando nada mais resulta após décadas de queixas sobre o injusto burden-sharing...

Também a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen encorajou a necessidade de aumento das despesas europeias em defesa. No recente discurso de 28 de fevereiro perante o Parlamento Europeu – precisamente sobre o fortalecimento da defesa europeia num cenário geopolítico volátil – salientou a necessidade de a Europa «acordar urgentemente» para necessidade de aumentar os gastos com defesa e mencionou inclusivamente a meta da NATO dos 2% do PIB em gastos militares, congratulando-se com o aumento do número dos países que a alcançaram.

Uma palavra final para o caso português: ainda nos falta cerca de 1,4 mil milhões de USD para chegar aos 2% do PIB em despesas militares (Quadro 3):

As recentes críticas da Associação de Oficiais da Forças Armadas (FAs) à falta de atualização salarial – que assinala terem as FAs portuguesas perdido, por essa razão, cerca de 32,44% dos efetivos entre 2011 e 2023, e 980 militares em 2023 face ao ano anterior – ganham uma proeminência à luz destes dados e dois surpreendentes aliados internacionais…