Um país, duas realidades

Claro que muitos têm familiares na guerra, e esses vivem os acontecimentos com uma outra preocupação, mas as pessoas que não têm essas circunstâncias, voltaram à rotina.

Seis meses após o início de uma guerra inesperada, Israel vive uma realidade ainda mais estranha. Longe das fronteiras (a norte com o Líbano e a Síria, a sul com Gaza), nas cosmopolitas cidades israelitas, convivem lado a lado dois mundos, um está em guerra, o outro não.

Para os muitos milhares de pessoas que se viram obrigadas a abandonar as suas casas na fronteira, começa a ser muito difícil viver sem o horizonte de voltar a uma vida normal. Está tudo num limbo: será que a guerra vai alastrar a norte? Será que o fim do conflito em Gaza está para breve?

O quotidiano para todos os que estão impedidos de viver em suas casas causa grande incómodo. Mais ainda para as famílias com filhos na escola e longe dos seus empregos. O estado está a gastar enormes quantias, para financiar na totalidade ou em parte, as despesas de alojamento de todos os que tiveram de sair de suas casas. Até agora não tem faltado com o pagamento mas, à medida que o tempo passa, começamos todos a recear que não haja dinheiro para aguentar este esforço.

Neste país que sente diariamente o reflexo da guerra, há também os muitos israelitas que foram prestar serviço militar, deixando para trás, empregos, negócios e empresas. Para estes, o estado não tem resposta e há casos de pessoas que regressaram da guerra e têm as suas vidas viradas do avesso, com empréstimos de casa para pagar, negócios falidos e sem capacidade de recuperar.

Trabalho com comunidades de árabes israelitas, bem integrados na sociedade, que ao fim destes meses se viram obrigados, apesar do risco, a regressar para as suas aldeias. Vivem em zonas fronteiriças com o Líbano, de tal forma próximas que veem do outro lado do muro os mísseis apontados para eles. Mas ao fim deste tempo todo, mesmo assim, optaram por voltar para suas casas. Com filhos e negócios fechados, não aguentam mais tempo longe de casa. Têm de reabrir os seus negócios e voltar a pôr os filhos na escola.

Há uma grande diferença entre os que vivem as realidades que acima descrevi e as pessoas para quem o dia a dia mudou muito pouco. Vivemos e convivemos nas mesmas cidades, mas parece que vivemos em países diferentes. Ao princípio foi um grande choque para toda a gente, mas à medida que o tempo foi passando, nas zonas não fronteiriças, a vida foi voltando à rotina normal.

Claro que muitos têm familiares na guerra, e esses vivem os acontecimentos com uma outra preocupação, mas as pessoas que não têm essas circunstâncias, voltaram à rotina.

Em Israel, os jogos de futebol, os cinemas, os restaurantes e mesmo a vida noturna, voltaram ao normal em todo o território que não está próximo das fronteiras, onde se vive em ambiente de Guerra.

Agora, uma das grandes polémicas, tem a ver com o incómodo manifestado por várias famílias que querem passar férias e ir para os hotéis e queixam-se porque os hotéis estão ocupados com os muitos israelitas deslocados das suas terras. Queixas que chocam de frente com o cansaço dos milhares de outros israelitas, há meses deslocados e fartos de estar nos mesmos hotéis que outros querem ocupar para gozar férias, como se a vida corresse de forma normal.

É como se vivêssemos em dois países diferentes. Viver em estado de alerta é uma constante desde sempre em Israel e talvez por isso parte da população se tenha adaptado bem à nova situação. Só uma parte, porque paredes meias, somos muitos os que não nos conseguimos habituar a uma guerra sem fim à vista e com risco de alastrar a norte.

A animosidade da comunidade internacional em relação a Israel, que se manifesta em todo o mundo, não tem reflexo na sociedade israelita. As pessoas estão habituadas às críticas e é talvez por isso que o governo tem sobrevivido às críticas internacionais. Netanyahu sente a pressão da opinião pública, mas não por causa das críticas internacionais. É a política interna e a falta de resultados em Gaza, em particular a incapacidade do governo de trazer para casa os reféns, que traz dores de cabeça ao primeiro-ministro.