O mundo foi sobressaltado há dias pelo atentado em Moscovo que matou 137 pessoas. Nada o fazia prever. Também nada fazia prever as consequências e as leituras que o Kremlin iria fazer deste ataque. O que é que aconteceu? Simples. Apesar dos Estados Unidos se constituírem como o principal braço armado da NATO no apoio financeiro e militar à Ucrânia, a verdade é que na parte recuada dos conflitos bélicos existe a comunicação fluida entre inimigos que é feita através dos serviços de inteligência e das chancelarias. É uma informação que circula num terreno subterrâneo pela razão de que não é do conhecimento mediático e, consequentemente, não chega às manchetes dos jornais ou às aberturas da informação televisiva. Portanto, foi exatamente isto que aconteceu há cerca de um mês. Os serviços secretos norte-americanos informaram no dia 7 de março os homólogos russos do risco de um atentado terrorista em Moscovo da autoria do ISIS-K, o ramo do estado islâmico com base no Afeganistão. Este aviso não teve eco nas autoridades russas. Porquê? Porque não servia os interesses estratégicos de Vladimir Putin. Num ambiente de desconfiança e de antagonismo que caracteriza as relações entre Washington D. C. e Moscovo por causa da guerra na Ucrânia, as advertências dos Estados Unidos foram desacreditadas pelo Presidente russo. Não só foram desacreditadas como Putin manteve e mantém até aos dias de hoje a narrativa de que o ataque teve mão da Ucrânia, reagindo com o reforço dos bombardeamentos em solo ucraniano e polaco. Nas 24 horas que se seguiram ao ataque em Moscovo, as forças russas lançaram um míssil que atingiu a província de Lviv, na zona mais ocidental da Ucrânia, chegando a atingir território polaco, país membro da NATO.
Em suma: o ataque que matou mais de 100 pessoas em Moscovo está a ser utilizado por Putin para reforçar a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia, intoxicando a sua opinião pública de que o ‘regime nazi de Kiev’ é o responsável pela matança na capital russa.
Enquanto isto, no terreno, a Ucrânia enfrenta crescentes dificuldades para enfrentar o poder russo, nomeadamente aéreo. Não só. Os especialistas militares independentes dizem que a Ucrânia pode perder a guerra se não receber nos próximos meses as ajudas financeiras e militares do Ocidente. Nos Estados Unidos, está congelado no Congresso um envelope no valor de 60 mil milhões de dólares. Em ano eleitoral do outro lado do Atlântico, a ajuda a um país em guerra nos confins da Europa é um tema difícil. O flanco republicano na política americana há muito que trava o auxílio que Zelensky suplica como indispensável para manter a máquina de guerra.
Quanto à Europa, é o que se sabe. Ao longo das sucessivas fases de ampliação e de integração europeias, a segurança e a defesa não estiveram na primeira linha das prioridades dos governos, qualquer que fosse a orientação política. Na verdade, a Europa sente-se protegida pela NATO desde 1949, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, quando foi criada a organização.
Já passaram 2 anos de guerra. É muito tempo. Muitas mortes. Um país cuja reconstrução está calculada em 500 mil milhões de dólares. Uma ‘operação especial’ que começou com esta designação em fevereiro de 2022 mas que há dias Vladimir Putin assumiu que se tratava de uma guerra. Seja o que for, é morte e destruição. E é a principal ameaça à ordem mundial, a par do conflito na Faixa de Gaza.
É de observar como, independentemente dos protagonistas, a história repete-se. No caso da Ucrânia, o nacionalismo, que a Rússia há 2 anos nunca imaginou tão forte e enraizado na resistência, tem raízes profundas. Recuemos a 1918. Terminada a Revolução Russa de 1917, a Ucrânia entrou em guerra cvil. De um lado, os bolcheviques; do outro os resistentes nacionalistas alinhados no exército branco também designado por ‘guarda branca’. A história é contada pelo romancista russo Mikail Bulgákov. Há mais de um século, a vitória esteve do lado do exército vermelho.
É nestes momentos que vale a pena revisitar a literatura, essa imensa livraria que nos abre as portas para podermos compreender a complexidade da vida nas suas múltiplas dimensões.
A guarda branca
O ataque que matou mais de 100 pessoas em Moscovo está a ser utilizado por Putin para reforçar a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.