A fábrica de porcelana mais antiga da Península Ibérica completa este ano dois séculos de existência. Foi nas imediações de Ílhavo, junto à ria de Aveiro, que o seu fundador, José Ferreira Pinto Basto, encontrou a localização ideal para a unidade industrial que idealizara. Além da riqueza da região nas matérias primas necessárias, em particular o caulino (um mineral argiloso), a proximidade do mar facilitava o escoamento da produção.
A porcelana, inventada na China, é um material cerâmico que resultou de um longo processo iniciado há cerca de 2 000 anos. A brancura e a translucidez que a caracterizam só seriam, porém, alcançadas por volta do século VIII. A sua introdução na Europa terá ocorrido provavelmente no século XIII, graças aos mercadores da Rota da Seda. Segundo a tradição, a peça mais antiga conhecida no Velho Continente é o ‘vaso de Marco Polo’, que integra o tesouro da Basílica de São Marcos de Veneza. Contudo, a própria autenticidade de todas as viagens de Polo, aventureiro e mercador veneziano, é uma questão ainda hoje debatida pelos historiadores.
Altamente valorizada na Europa, foram os portugueses que, a partir do início do século XVI, se destacaram como os maiores importadores de porcelana da China. Esta mercadoria, que apenas constituía uma parte dos produtos trazidos do Império Chinês – havia ainda, entre outros, o chá, a seda, pinturas e objetos de laca -, era habitualmente armazenada na parte inferior das naus, tanto pela impermeabilidade à água como pela função de lastro que desempenhava. Símbolo de luxo e prestígio, quem estivesse disposto a esperar três anos, e, claro, pudesse pagar, podia personalizar as encomendas, sendo frequente a inclusão das armas de família.
Por vezes, os mercadores traziam consigo amostras de caulino, na esperança de copiar aquele produto chinês, mas desconheciam a sua exata composição e as técnicas envolvidas. Trata-se de um material cerâmico cujos principais componentes são o já referido caulino (um aluminossilicato hidratado), quartzo (óxido de silício) e feldspato (aluminossilicatos de sódio, potássio ou cálcio). Quando misturados e submetidos a altas temperaturas (1200-1400 oC), passam por um complexo conjunto de transformações, das quais se destaca a conversão dos aluminossilicatos em mulite, que é um compósito de óxido de alumínio e óxido de silício. São os cristais de mulite, finos e agulhados, cimentados por sílica vítrea, que conferem à porcelana as suas caraterísticas.
Na verdade, o frade dominicano português Gaspar da Cruz (c.1520-1570), enviado à Índia, de onde viajou para vários locais da Ásia, incluindo Cantão, tinha descrito os processos subjacentes à produção daquele material no Tratado das Cousas da China (Évora, 1569), obra que também foi publicada em Inglês em 1625, em Londres. Antes disso, em 1575, já Francisco I de Médici (1541-1587), em Florença, tentara produzi-lo. A presença na China também permitiu ao jesuíta francês François Xavier d’Entrecolles (1664-1741) ficar a par dos segredos da porcelana, os quais revelou em duas longas cartas, uma em 1712 e outra em 1722. No entanto, na Europa já se produzia a verdadeira porcelana (dita de pasta dura) desde 1709, graças aos esforços de três alemães: Augusto II, Eleitor da Saxónia (1670-1733), o patrono, e Ehrenfried Walther von Tschirnhaus (1651-1708), um polímata, e Johann Friedrich Böttger (1682-1719), um jovem alquimista. Este, em Dresden, ao serviço do Eleitor, procurava obter ouro por via alquímica – na verdade, era seu prisioneiro, tanto para não fugir com o ouro que obtivesse, como por punição por não o conseguir. Tschirnhaus terá convencido Augusto II que Böttger seria mais útil se colaborasse na investigação que ele próprio tinha em mãos: a produção de outro tipo de ouro, o chamado ‘ouro branco’, ou seja, a porcelana. Tschirnhaus morreria entretanto, mas o alquimista só necessitou de dois anos para a obter. Em 1710, foi instalada uma fábrica em Meissen, a apenas 24 km de Dresden. Ainda hoje opera.
Dado que o estabelecimento de um mercado para a porcelana alemã não ocorria de um dia para outro, o Eleitor, que não desistira do sonho do ouro alquímico, manteve Böttger cativo, pressionando-o a obter o tão desejado metal amarelo. Em 1713, o alquimista acabou por fingir uma transmutação ‘bem-sucedida’, que lhe valeu a liberdade e um título nobiliárquico. Mas, doente e exausto, Böttger viria a morrer em 1719. Pouco mais de um século depois, também Portugal produzia o ‘ouro branco’.