Barragens. Da chuva abundante à seca, tudo é cíclico

Nas últimas décadas, a frequência de secas meteorológicas tem aumentado em Portugal. Mas as cheias fazem mais estragos: representam cerca de 80% das indemnizações por catástrofes naturais no país.

Março trouxe um alívio para Portugal, com o país a beneficiar de uma maior disponibilidade hídrica devido às chuvas fortes trazidas pelas tempestades Mónica e Nelson. As estatísticas revelam um cenário geral positivo: 68% das 81 barragens monitorizadas possuem mais de 80% de volume armazenado. Uma análise detalhada mostra que as albufeiras portuguesas, por bacia hidrográfica, também refletem essa tendência positiva. Regiões como Tejo, Douro, Alentejo, Vouga e Cávado registam volumes superiores a 90%, enquanto algumas, como Mira, Arade, Ribeiras do Barlavento e Ribeiras do Sotavento, estão ligeiramente abaixo da média histórica.

No geral, março teve um saldo positivo no volume total de armazenamento (86%), com algumas albufeiras a aproximar-se das suas cotas máximas. A Barragem do Alqueva merece destaque, estando a apenas 1,5 metros da sua capacidade máxima, o que é crucial para o abastecimento humano, agrícola e energético. Apesar das boas notícias, o Sul do país ainda enfrenta desafios. No litoral alentejano, Barlavento e Sotavento Algarvio, a água continua a ser um recurso escasso. Para resolver essas disparidades regionais, há propostas em debate, como a “autoestrada da água”, com o intuito de transvasar água do Norte para o Sul, e investimentos em infraestruturas, como a construção de novas barragens. Mas nada disto é novo, sendo que muitos dos fenómenos são cíclicos. Por exemplo, há dois anos, as chuvas abundantes em março melhoraram significativamente a situação da seca em Portugal. A maioria das albufeiras recuperou os níveis de água e apenas 16% do país enfrentava uma situação de seca severa.

De acordo com um relatório da Comissão de Gestão de Albufeiras, do final de 2015, por exemplo, durante o ano hidrológico 2014/15, que compreendeu os dias entre 1 de outubro de 2014 e 30 de setembro de 2015, Portugal enfrentou uma situação de seca grave. O ano hidrológico começou com chuvas acima da média em outubro e novembro, sendo novembro particularmente chuvoso, com precipitação mensal cerca de duas vezes superior ao normal. Contudo, nos meses seguintes, especialmente entre dezembro e maio, os níveis de precipitação ficaram consistentemente abaixo da média, com valores mensais geralmente abaixo de 80% do normal. Destacam-se os meses de dezembro, fevereiro e março, que registaram valores de precipitação muito baixos, inferiores a 40% da média.

A falta de chuva levou a uma situação de seca meteorológica em todo o país a partir de março de 2015, intensificando-se até julho e persistindo até agosto. Somente no final do ano hidrológico, em setembro, houve uma melhoria, especialmente na região noroeste do país, devido às chuvas abundantes que ocorreram nesse mês nas regiões Norte e Centro. Se recuarmos ainda mais no tempo, percebemos que em março de 2006 Portugal viu uma melhoria significativa na situação da seca, com as barragens a atingir níveis de armazenamento que não eram vistos desde 2004, de acordo com o Instituto da Água (Inag). Dos 57 reservatórios monitorizados, 23 tinham mais de 80% da capacidade de armazenamento e apenas dois tinham menos de 40%.

Comparado com o ano anterior, a situação era muito mais favorável, aproximando-se daquela observada em 2004. Dois anos antes, em março, 32 barragens estavam acima de 80% e apenas duas abaixo de 40%. Já em 2005, o país estava a enfrentar uma seca severa, com apenas nove albufeiras com mais de 80% de água e 12 abaixo de 40% até ao final do mês. Para algumas bacias hidrográficas, como a do Tejo, a situação era relativamente confortável, com 82% da capacidade total de armazenamento. A albufeira do Castelo de Bode, que abastece a Área Metropolitana de Lisboa, estava quase cheia, com 91% de água.

Além disso, cinco bacias, incluindo as do Arade, Ave, Cávado e Lima, tinham níveis de armazenamento acima da média de 1990/2000, enquanto as do Douro e Mondego estavam praticamente no nível médio. A bacia do Sado ainda enfrentava desafios, com cinco barragens com menos da metade da sua capacidade, sendo a albufeira do Roxo a mais afetada, com apenas 25% de água. A recuperação nos níveis das barragens, em 2006, foi resultado direto de um mês de março bastante chuvoso, com a precipitação acumulada a superar a média histórica. No entanto, apesar da melhoria, a distribuição da chuva ainda mostrava disparidades, com mais chuva no Sul e menos no Norte do país.

Entre a chuva abundante e a seca As cheias representam os desastres naturais mais impactantes em Portugal, com graves consequências sociais e materiais. Em média, constituem cerca de 80% das indemnizações por catástrofes naturais no país. Um dos eventos mais catastróficos foi a inundação ocorrida nos dias 25 e 26 de novembro de 1967 na região metropolitana de Lisboa, causada por uma depressão fria com características subtropicais. A depressão provocou precipitação intensa, resultando em cheias rápidas e flash floods.

Os maiores danos ocorreram devido à construção inadequada em áreas propensas a cheias, à coincidência com a maré alta e ao facto de ter ocorrido durante a noite, quando muitas pessoas estavam a dormir. Habitações precárias ao longo de rios e ribeiras foram particularmente afetadas, resultando em milhares de desalojados e centenas de mortos. O governo salazarista minimizou os impactos das cheias, escondendo o número real de mortos e os danos causados. Estima-se que mais de 700 pessoas tenham morrido durante o evento, mas os dados oficiais apontam para apenas 250 vítimas. A falta de meios de socorro e a pobreza das populações locais agravaram a situação.

Apesar da censura do regime, as notícias sobre as cheias desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Vários países, incluindo o Reino Unido, Itália e França, ofereceram donativos e apoio em meios sanitários para ajudar Portugal a lidar com as consequências do desastre. Em fevereiro de 2010, muitos anos depois, uma tempestade súbita devastou o Funchal, na Madeira, causando 47 mortos, 4 desaparecidos, 600 desalojados e 250 feridos. As inundações resultaram em carros arrastados, parques de estacionamento submersos e casas destruídas. O hospital estava sobrecarregado e equipas de apoio psicológico foram montadas para ajudar as vítimas e familiares afetados pelo trauma.

Muitas áreas estavam isoladas, com a preocupação de que mais vítimas pudessem estar em vilas remotas. Os danos foram generalizados, com estradas cortadas, falta de eletricidade e água, e uma sensação de medo generalizado entre a população. O presidente do Governo Regional solicitou assistência da União Europeia e falou com Durão Barroso, enquanto José Sócrates se deslocou à ilha para se inteirar dos danos. As causas da tragédia foram as chuvas torrenciais, resultando em inundações repentinas e destruição por toda a cidade.

Por outro lado, Portugal continental tem enfrentado secas ao longo dos séculos, com impactos devastadores na agricultura, nos recursos hídricos e no bem-estar das pessoas. Nos anos de 1354-55, 1385-98, 1504-06, 1733-38 e 1753 a população testemunhou a recorrência dessas secas. No século XIX, houve um período particularmente longo e severo entre 1873 e 1878, especialmente dramático para o Algarve. Tanto que em 1875 lia-se no jornal Gazeta do Algarve: “Nenhumas esperanças há já de que a agricultura produza o suficiente para a sustentação dos habitantes da província, nem pastos haverá em quantidade bastante para a alimentação do gado”. Nas últimas décadas, tem havido um aumento na frequência de secas meteorológicas, abrangendo extensas áreas do país. Desde 1980, ocorreram oito situações de seca com grande severidade, incluindo a seca de 2004/2006, a mais intensa em 90 anos. Recentemente, as secas de 2011/2012 e 2017/2018 afetaram quase todo o território, evidenciando a vulnerabilidade de Portugal a esses eventos climáticos extremos.