0 ano de 2024 é um ano de eleições. Ultrapassadas as legislativas é bom lembrar que estamos a pouco mais de dois meses das europeias e que todas as sondagens apontam para uma mudança relevante de cenário. Numa altura decisiva para a União Europeia, podemos assistir a uma viragem do Parlamento à direita, mantendo-se a possibilidade de maiorias ao centro, variáveis em função dos temas. Logo, o voto importa e muito, sendo por isso altura de falar de riscos.
Depois do escândalo Cambridge Analytica o mundo acordou para o impacto da transformação digital na política e o poder da desinformação. Desde então, muitas têm sido as medidas adotadas para reforçar os valores da transparência, da responsabilidade e, naturalmente, da ética. Importantes esforços sempre insuficientes perante a velocidade exponencial da tecnologia, que introduz constantemente novos instrumentos e, com isto, novos riscos.
No mundo pós ChatGPT, a probabilidade destas eleições serem afetadas por mecanismos de desinformação é elevada. Estamos a falar de formas fáceis e acessíveis de propaganda, que desde os deepfakes, às fotografias manipuladas, websites falsos e informações retiradas do contexto, ao alcançar rapidamente números massivos de usuários, ainda pouco conscientes destas realidades, são eficazes na manipulação, na criação de desconfiança e, não menos importante, no despoletar de reações emotivas fortes que impossibilitam o diálogo e condicionam a opinião.
A tentação é grande e apesar de uma tendência marcada, que nos leva a apontar imediatamente o dedo a partidos populistas de extrema direita, a verdade é que o perigo não tem rótulo. Nas eleições da Polónia foi o partido do europeísta Donald Tusk, agora no poder, que utilizou IA generativa para imitar a voz do então primeiro-ministro, líder do partido antieuropeu Lei e Justiça. Já na Eslováquia, o visado foi o líder do partido Liberal Progressivo pró-Nato, que acabou mesmo por perder para o partido pró-russo SMER. Pelo que se sabe, em período de reflexão, foram partilhados no Facebook áudios falsos deste candidato a falar da compra de votos a uma minoria Roma a viver no país. Imediatamente sinalizado, a correção e difusão do desmentido foi difícil, seja por estarem em período de reflexão, seja porque se descobriu que a Meta apenas monitorizava registos de imagem.
A Eslováquia foi sem dúvida um teste importante, que permitiu demonstrar não apenas o potencial da manipulação por via da IA, como também a dificuldade de reação do sistema independentemente das políticas em vigor. Ou seja, sem desvalorizar as orientações, Códigos de Conduta, políticas empresariais e leis em vigor, como a Lei dos Serviços Digitais, importantes instrumentos na moderação de conteúdos, temos que admitir a imprevisibilidade e, nesta medida, adotar soluções equilibradas que em nome da democracia nunca desprotejam a liberdade. Veja-se o caso da Índia que, em ano de eleições, dado o elevado número de usuários online, não tem hesitado em adotar leis cada vez mais severas e restritivas.
Vivemos numa sociedade de risco, onde a desinformação, sendo uma realidade incontornável, ao mesmo tempo que exige responsabilidade por via da regulação e da literacia, estimulando a exigência ética, o espírito crítico e a informação de qualidade, não nos legitima a esquecer os fundamentos da liberdade e a usa-la como desculpa fácil para a regimes de censura. Nesta era digital, ao contrário do que muitos dão a entender, o risco não é apenas “doença”, é também a “cura”. Falemos disso.
Eleições na era da desinformação
No mundo pós ChatGPT, a probabilidade das eleições europeias serem afetadas por mecanismos de desinformação é elevada.