O silêncio é uma mensagem. Significa isto que o silêncio pode ser usado intencionalmente como estratégia política, no caso em apreço. Dir-se-á que a ideia, apresentada nestes termos, é paradoxal com a natureza das sociedades globalizadas mediaticamente. Em teoria, existe de facto essa contradição. A transparência é incompatível com o silêncio. Veja-se o caso da Princesa de Gales, Kate Middletton, que recorreu à infalível BBC para anunciar ao mundo que sofre de cancro e acabar com todo o tipo de rumores sobre o seu longo desaparecimento do espaço público.
Situemos então a questão do silêncio na fase atual da política portuguesa e, genericamente, na vida do país. Politicamente, já se percebeu que, em sede parlamentar, a probabilidade de existirem eventos sucessivos com acrimónia, ruído, instabilidade, irá ser elevada.
A vida parlamentar tem um novo enredo, completamente distinto de tudo aquilo que já havíamos conhecido anteriormente.
No país, os níveis de descontentamento, frustração e protesto de classes profissionais com uma expressão significativa no tecido social português irão voltar a ouvir-se agora que há um novo governo em funções.
Na bolha mediática, o escrutínio quer em sede parlamentar quer no que ao novo governo importa, deverá intensificar-se. É das regras do jogo e, principalmente, da natureza da democracia. Sendo assim, fará sentido reler o ensaio de Cavaco Silva O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar. Uma das ideias plasmada no livro é a contenção na gestão da palavra de forma a evitar ondas de choque com efeito ricochete, como se viu na tumultuosa eleição do presidente da Assembleia da República.
Ora, entre o final da campanha eleitoral e a tomada de posse esta terça-feira no Palácio da Ajuda, Luís Montenegro remeteu-se a um longo silêncio. Ainda existiu a ida a Belém para a apresentação do elenco governativo. Nestes diversos momentos, não existiram declarações públicas. Estranhou-se inicialmente, depois percebeu-se que se tratava de uma forma de abordar o cargo pensada, estudada, provocando um escudo comunicacional.
Por outro lado, notou-se que os nomes dos ministros só começaram a ser conhecidos 2 horas antes da deslocação a Belém. Evitaram-se especulações nos dias prévios e neutralizou-se o desgaste que fugas de informação necessariamente implicariam.
A caracterização do Governo tem sido ampla nas palavras. A opinião praticamente unânime é de que se trata de um governo de combate. Esta apreciação decorre do novo ciclo parlamentar com dois partidos a disputarem entre si a liderança da oposição: PS e Chega. Esta tenaz coloca uma pressão elevada sobre o executivo, independentemente da sua estrutura e dos nomes escolhidos. Com uma frente parlamentar hostil, qualquer que seja o ponto de observação em que nos coloquemos, Luís Montenegro só podia mesmo rodear-se da sua ‘guarda pretoriana’. Digamos que a ideia de combate tanto é válida para a oposição como para o interior do PSD. É oportuno lembrar o ambiente conspirativo contra Montenegro de que a comunicação social foi dando nota e que poderia ser ativado no caso das eleições europeias lhe correrem mal.
Conhecidas que são as adversidades, o novo Governo tem que convencer a opinião pública de que decide o que é para decidir no respeito pelos interesses do pais. Com discrição e recato. Será este o estilo Luís Montenegro? Veremos. Foi este o estilo Cavaco Silva? Diz-nos a memória que sim.
O estilo Cavaco
A vida parlamentar tem um novo enredo, completamente distinto de tudo aquilo que já havíamos conhecido anteriormente.