aros leitores,
Hoje venho partilhar um desejo, bem como algumas das questões que me pergunto e que vejo inquietarem outras tantas pessoas, e mais algumas considerações. A falta de desenvolvimentos com vista a arranjar uma solução e um compromisso entre todas as partes envolvidas, bem como a escuta de várias outras vozes que têm gritado a plenos pulmões a sua revolta para com o rumo dos acontecimentos, levaram-me a este ‘pensar em voz alta’.
Escusado será dizer que a grande maioria da população – em Gaza, na Cisjordânia, em Israel, no Líbano, na Síria, no Iémen, e todos os restantes países do mundo –, quer viver em paz. Paz esta seja interna, seja nos conflitos militares com outros. Pois bem, quem pensa que o povo israelita e palestiniano, no seu cerne, acha que a guerra é a única maneira de se resolver este problema septuagenário, engana-se.
Nesta altura, os dois povos sofrem imensamente com todo o trauma, o sangue derramado e a destruição causados nas suas sociedades pelos inúmeros eventos de violência das últimas décadas. Esta dor e o medo de não viver em segurança, de estarmos a cada evento mais próximos de um ‘desaparecer do mapa’ se não atacarmos de volta quem nos causou dor, ou preventivamente, ao retirarmos ao outro, a liberdade e a qualidade de vida, tem feito com que o ciclo se perpetue e que leve muita gente ao desespero para a falta de uma perspetiva ‘realista’ de paz entre os dois povos.
Desde o início da guerra que tenho ouvido inúmeras vezes, em variados círculos de pessoas, a falta de esperança, para que seja possível um acordo de paz com os palestinianos tanto em Gaza como na Cisjordânia. «Eles não entendem outra coisa que não seja violência», «todos eles são educados para nos odiar e para nos querer matar» são duas das mais repetidas frases que escutei. Mesmo aqueles que acham que esta guerra já foi longe demais, que não vale a pena continuarmos a sacrificar as nossas ‘crianças’ (isto porque quase todos os militares que perderam a vida tinham entrado recentemente nos seus 20 ou 20 e poucos anos), que o mais importante agora é trazer os reféns de volta a casa, poucos acreditam numa eventual paz duradoura na região. «Se não mostrarmos quem manda, eles vão arrasar-nos uma e outra vez até que nos tirem daqui», «eles são tão problemáticos que nem os árabes dos outros países os querem lá», e por aí adiante.
Nestes meses intensos e carregados de todo o tipo de traumas, e também de muita aprendizagem, tenho encontrado várias emoções dentro de mim que são algo contraditórias, mas que fazem parte da complexidade da existência humana. Por um lado, há a dor que pede castigo sobre quem fez isto, em particular dada a tamanha barbaridade e falta de humanidade dos atos cometidos. Com ela, o receio de que mais destes eventos possam acontecer se os militantes do Hamas e das outras guerrilhas não sejam pelo menos detidos. E o saber a forma cobarde como estes militantes operam em meios civis, caminhando por entre a população, utilizando espaços de serviços públicos ou de culto para efetuar as suas investidas, causa uma enorme revolta e repulsa. Por isso, nestas emoções uma pessoa sente-se impedida de ver o sofrimento causado aos palestinianos, em particular em Gaza, a perda de dezenas de familiares e amigos que cada palestiniano conhece, e as condições inumanas com as quais vão sobrevivendo, para além de toda a questão territorial e os conflitos com os colonatos que se vêm alastrando há vários anos.
Grande parte do público, por vezes, eu também, olha para o lado quando confrontados com a brutalidade desnecessária, com a quase inexistente cobertura jornalística desde um ponto de vista palestiniano ou com o foco em soluções de paz, ou com o sofrimento brutal do outro. E isto, creio que vem um pouco desta dor, deste trauma, que faz com que os poderes políticos queiram simplesmente atuar ‘à lei da força’, de controlar ‘tudo e todos’, como se só isso garantisse a paz. Claro, oxalá pudéssemos todos nós confiar no Hamas e em todas as outras guerrilhas para o regressar dos reféns e o cessar de todas e quaisquer hostilidades, se fosse a haver um acordo de paz para todas as partes envolvidas.
Por outro, o meu lado humano e o meu compromisso para com a paz chora pela destruição que tem presenciado, mas não deixa de acreditar que a coexistência na Terra Sagrada é possível. Basta estar aqui e experienciar a realidade do dia-a-dia, onde todo o tipo de pessoas vivem em conjunto e praticam as suas religiões livremente, e de saber que há um sem número de iniciativas de paz e coexistência entre israelitas e palestinianos (Standing Together, Parents Circle Families Forum, Alliance for Middle East Peace, Combatants for Peace, Women Wage Peace/Women of the Sun, EcoPeace Middle East, entre muitas outras) que trabalham a cada segundo para o reconstruir de uma união forte entre os povos.
Portanto o meu desejo é muito simples: Vamos dar oportunidades à paz! Vamos sentarmo-nos todos à mesa, com os nossos cafés, chás, húmus, saladas, pitas e baklavas, partilhar as nossas perdas, os nossos traumas, as nossas histórias, reconhecer a humanidade um do outro, e criar pontes de comunicação resilientes e duradouras. E vamos criar estratégias para desmantelar as ideias de vêm alimentando este ciclo interminável de violência (o extremismo islâmico, a não existência de um estado Palestiniano, o antissemitismo, os colonatos em Judeia e Samaria, a islamofobia…), porque enquanto não dermos resposta ao medo e à insegurança de ambos os povos, nenhum dos lados estará disposto a ‘baixar a arma’ e dar um abraço.
Claro que há várias perguntas que queremos (eu pelo menos quero) ver respondidas para podermos confiar numa tal mudança de paradigma: Como é que podemos confiar no Hamas e em todas as outras guerrilhas (Hezbollah, Jihad Palestiniano, Houthis,…) para o regressar dos reféns e o cessar de todas e quaisquer hostilidades, se fosse a haver um acordo de paz para todas as partes envolvidas? Como é que podemos desmantelar estas ideias que alimentam o ódio e a divisão entre os dois povos? Quais é que seriam os passos realistas a ter de ser tomados para dar início a este processo de reconciliação entre israelitas e palestinianos? Como é que seria a resposta se, no início de um processo de paz, houvesse um ataque por parte de um grupo minoritário extremista? E como estas, outras tantas mais viriam a caminho.
Uma coisa é certa: basta de sofrimento! E tragam os reféns de volta a casa AGORA!