Já vai longe no calendário o dia 23 de janeiro do ano em curso.. A mim, porém, parece-me que foi ontem. E não irei esquecer esta data. Jorge Xavier de Brito deixou-nos. Na minha memória fica a recordação de um homem bom, de um grande médico e de um amigo inexcedível. Se o estou a recordar quase três meses após o seu desaparecimento, é para enaltecer o seu testemunho, um verdadeiro exemplo para todos nós, e também para lhe prestar a homenagem que lhe é devida, após uma vida inteira de serviço aos outros.
Sendo verdade que ‘dos fracos não reza a História’, torna-se ao invés imperioso destacar aqueles que, pelo seu percurso e pela obra que deixam, a ‘lei da morte’ não destruirá jamais. O Jorge é um deles. Consciente da gravidade da doença que o atingiu, enfrentou essa tenebrosa situação com coragem e resignação, entregando-se incondicionalmente nas mãos de quem o estava a acompanhar. Sem se lamentar uma só vez do pesado fardo que tinha de carregar, aceitou, sem reservas, tudo o que lhe foi recomendado, fugindo das ‘segundas opiniões’ e suportando os passos infindáveis daquele calvário penoso. Dizia-me há algum tempo, já próximo da partida: «Que posso eu dizer, Luís, se tanta gente com uma doença igual à minha já cá não está e eu continuo aqui? Não tenho o direito de me queixar!». Fiquei sem palavras perante aquela arrepiante reacção, e lembrei-me de uma frase que em tempos ouvi a um doente: «A quem luta pela vida, Deus não falta com a sua força». Foi, sem dúvida, essa força que acompanhou o Jorge até ao dia em que o Pai o veio buscar, levando-o para uma das ‘muitas moradas que Ele tem em sua Casa’.
Radiologista experiente e conceituado, Jorge Xavier de Brito destacou-se pelos inúmeros diagnósticos precoces que fez a tantos doentes. Quantas doenças graves ele não detetou na altura certa? E quantos problemas sérios não evitou? O seu amor à profissão era tal que, nos intervalos dos tratamentos a que era submetido, regressava ao trabalho como se nada se passasse, afirmando: «Os doentes não têm culpa do que me aconteceu».
Acompanhei a par e passo, com o coração nas mãos, o evoluir da sua situação clínica, sabendo perfeitamente qual seria, mais tarde ou mais cedo, o desfecho.
Olhando para este caso, vale a pena refletir sobre a situação do país (em especial, se está ou não preparado para responder aos doentes com doenças prolongadas, oncológicas ou não), e também sobre qual deverá ser a atitude de cada um de nós perante este tipo de problemas.
Os cuidados paliativos, apesar de alguns tímidos progressos, estão ainda muito longe das necessidades, e os cuidados continuados ficam igualmente muito aquém da resposta que se deseja. Esta é uma falha grave cuja solução o Estado vai adiando, não se vislumbrando qualquer sinal de melhoria. E quando temos conhecimento de casos como este, mais se sente a necessidade de investir nesta área. Não podemos continuar a assistir ao aparecimento de novas unidades hospitalares apetrechadas com a mais alta tecnologia e não se apostar em hospitais de retaguarda, virados especificamente para este tipo de cuidados.
Por outro lado, é importante ter bem presente que ninguém pode deixar a sua saúde nas mãos dos outros. Cada um tem de ser responsável por si próprio e acautelar o seu futuro, preparando-se para todos os cenários possíveis. Aprendamos a cuidar da nossa saúde. Não é uma opção. É um dever!
Jorge Xavier de Brito partiu. Para trás fica o exemplo de um lutador incansável e um médico com uma profunda dedicação à profissão e amor ao próximo. No meu escritório conservo o seu retrato como alguém que me marcou e que continua presente na minha vida. Na verdade, ‘somos como árvores cujas raízes fundas se fixam na terra. Não desapareceremos, pois, parte de nós, continua para sempre’. l
À memória do Dr. Jorge Xavier de Brito