E o fantasma branco nasceu em Camp Nou

Depois de amanhã, Real e Barça encontram-se outra vez. Mas nenhuma será como há 64 anos.

A Taça dos Clubes Campeões Europeus, como se chamou de início, pode ter sido criada em 1955 pelos enormes jornalistas do L’Équipe, Gabriel Hanot e Jacques Ferrain, com a convicção de que seria uma prova que iria calçar que nem uma luva de cetim nas mãos do campeão francês da altura, o Stade de Reims, a equipa de ‘Football Champagne’ que contou com estrelas cintilantes do nível de Raymond Kopa, Just Fontaine, Roger Piantoni ou Michel Hidalgo, mas cedo o Real Madrid tratou de pôr fim ao alegre sonho dos gauleses. Cinco vitórias consecutivas nas cinco primeira edições da prova (duas delas em finais contra precisamente o Stade Reims), criaram o mito dos ‘blancos invencibles’. Logo na primeira, eliminatórias face ao Sevette (2-0 e 5-0), Partizan (4-0 e 0-3), AC_Milan (4-2 e 1-2), acertaram a tal final tão ansiada:_Real-Reims (4-3), no Parque dos Príncipes. A partir daí – e ganhando duas Taças Latinas pelo caminho –, os madrilenos transformaram-se numa espécie de ogro europeu. Segunda edição: Rapid Viena, 4-2 e 1-3, com 2-0 no desempate em Madrid, Nice (30 e 3-2), Manchester United (3-1 e 2-2), com final no Santiago Barnabéu – 2-0 à Fiorentina. Terceira dose: Antuérpia (2-0 e 6-0), Sevilha (8-0 e 2-2), Vasas de Budapeste (4-0 e 0-2), Milan (3-2) na final de Bruxelas. Quarta edição: isento da 1.ª eliminatória, Besiktas (2-0 e 1-1), Wiener SC (0-0 e 7-1), Atlético de Madrid (2-1 e 0-1, 2-1 no desempate em Saragoça e 2-0 na final ao Stade Reims em Estugarda. Quinta edição: isento da 1.ª eliminatória, Jeunesse d’Ech (7-0 e 5-2), Nice (2-3 e 4-0), Barcelona (3-1 e 3-1), final em Glasgow, 7-3 ao Eintracht Frankfurt.

Convenhamos: a coisa estava a transformar-se numa grandessíssima estucha, como diria o Alencar n’Os Maias._Real Madrid, Real Madrid, Real Madrid, Real Madrid, Real Madrid: cinco vezes Real Madrid. Quando acabaria, finalmente, esta infinita superioridade?

Barcelona, pois claro!

A sexta edição da Taça dos Campeões Europeus começou com o Real isento da 1.ª eliminatória, como era muitas vezes hábito no caso dos participantes serem em número ímpar. Mas o sorteio atirou, nos oitavos-de-final, Real e Barcelona (o primeiro apurado como campeão em título, o segundo como campeão de Espanha) para os braços um do outro. Ninguém em Madrid se mostrou muito preocupado. Acontecera o mesmo confronto na época anterior e os merengues libertaram-se dos seus maiores rivais com duas vitórias sem espinhas: 3-1 e 3-1.

O Real bem podia ter aquela incrível linha avançada com Puskás e Gento, Di Stéfano, Del_Sol e Canário, mas algo de inédito estava prestes a acontecer. Estávamos no dia 9 de novembro de 1960 e a rivalidade entre madridistas e catalães fervia como num panelão de ‘callos. A pr’imeira das batalhas, com lugar no Santiago Bernabéu, foi renhida e equilibrada. Os ‘merengues’ entusiasmaram-se cedo com o golo de Mateos, logo aos 3 minutos. O céu parecia querer voltar a cair sobre os catalães quando Luisito Suárez empatou aos 27. O nervoso sentia-se nas bancadas como se por elas passasse um poste de alta tensão. Seis minutos mais tarde, Gento dá vantagem aos da casa e tudo parece ficar amarrado a esse resultado pela teimosia defensiva dos contendores. Mas, a dois minutos do fim, Luisito assina o empate. O berbicacho agendava-se para dia 23, no Camp Nou, inaugurado apenas três anos antes. As feras rugiam. Verges, aos 33 minutos, ganha vantagem, mas cada contra golpe dos homens da capital metia um medo de fazer tremer joelhos aos ‘culés’. À beira do fim, Evaristo, de nome completo Evaristo de Macedo Filho, nascido no Rio de Janeiro a 22 de Junho de 1933 e que o Barça fora buscar ao_Flamengo (ainda jogou depois três épocas pelo Real), fez o 2-0. 82 minutos: momento louco! Um voo perfeito e o golpe certeiro com a cabeça. O rugido das bancadas não perde força, mas fica manifestamente rouco. Logo em seguida, cinco minutos depois, Canário reduz e deixa ainda uma margem de três minutos de pavor. Não chegam. O_Barça torna-se na primeira equipa a eliminar o Real da «sua» Taça dos Campeões e ninguém tem dúvidas que sucederá ao inimigo branco. Livra-se dos checos do Hradec Králové (4-0 e 1-1) na eliminatória seguinte e do Hamburgo (1-1 e 2-0) nas meias-finais. Em Berna, numa final cheia de peripécias, defronta os portugueses do Benfica e a farronca joga em desfavor dos catalães. Kocsis faz 1-0, mas José Águas empata logo de seguida. O guarda-redes Ramallets faz um auto-golo (32 minutos) e Coluna, num disparo soberbo, aumenta a diferença aos 50. Por mais que se esforcem e tenham visto duas bolas baterem no poste, os barcelonistas estão condenados à derrota e limitam-se a reduzir através de Czibor a 15 minutos do final. Foi, de alguma forma, como se o desplante de eliminar aquele que fora, até aí, o único campeão da Europa, fizesse tombar sobre os blau-grana uma tremenda maldição. Passaram-se anos e anos e anos. Demoraram vinte e cinco anos a voltar à final da prova, perdendo, em Sevilha, para o Steua de Bucareste na decisão por grandes penalidades. Foi preciso esperar nada menos do que trinta e um anos para que conseguissem, finalmente, levar a taça para Barcelona, depois de uma vitória frente à Sampdória, em Londres. O fantasma de ‘los blancos’ nunca os deixou. Mesmo hoje continuam a ser uns perdedores se comparados com o Real…  l