A propósito do debate que se renova com a presente legislatura relativamente ao tema da corrupção, revisitei um artigo de Costa Andrade, escrito em 2011 no Público, a propósito da primeira tentativa alargada de criminalização do enriquecimento ilícito. Lembro-me bem porque, à data, recém-deputada, acompanhei o tema, consciente tanto da sua natureza hercúlea, como da dimensão política, jurídica e social que lhe estava associada. Ora, o que na altura me pareciam palavras de alguém que o tempo e a experiência tinham tornado descrente, são hoje para mim a expressão de uma incontornável sabedoria.
A corrupção, cujo combate é sem dúvida um imperativo do Estado de Direito, é não só uma constante da História, como um fenómeno global, que desde sempre tem motivado a adoção de diferentes estratégias, nos mais variados campos. Sempre muito dependente do contexto, com contornos que ultrapassam o horizonte do legislador, fica claro que não há ponto que não possa ter retorno, por maior que tenha sido o investimento, ou os resultados. Falar de corrupção impõe, por isso mesmo, começar por reconhecer o muito que se tem feito.
Mas há, de facto, uma realidade que persiste, composta de perceções e factos, que mais do que nunca não podemos ignorar. Está em causa a confiança dos cidadãos nas instituições e a própria democracia, tanto mais importante quanto devemos reconhecer que vivemos numa sociedade mais exigente, mais consciente dos seus direitos e mais participativa, onde a tendência é a imposição de maior centralidade aos valores da ética e da integridade nos costumes e na moral política e administrativa. Uma enorme responsabilidade, que acarreta naturalmente enormes riscos, porque é no desequilíbrio entre o que se promete e o que se dá, ou seja, entre a esperança e a frustração, que entra o populismo e o discurso antissistema, com o efeito de empurrar o decisor para soluções que apesar de mais fáceis e apelativas, nem sempre são as melhores. Regressando o ciclo.
Falo da ‘vertigem do penal’, que tem conduzido a iniciativas panfletárias e simbólicas, que raramente acrescentam valor, desviando a atenção das prioridades. Mas também, por exemplo, de uma opção pela ‘transparência radical’, que privilegia sem grande equilíbrio o acesso à informação por oposição à proteção de outros valores e direitos, como os dados pessoais.
Conscientes do poder transformador do Direito, sem nunca esquecer os sinais do tempo, precisamos de refletir sobre este nosso destino e a dialética de que falava Costa Andrade entre lei, esperança e frustração. E não se trata de desistir, este é um combate permanente, mas de ponderar bem a ação, partindo do conhecimento dos problemas reais das pessoas e trabalhando sempre sobre o que é essencial. Olhamos muito para a justiça, mas a verdade é que esta não tem a responsabilidade exclusiva pelo estado da arte. Há áreas menos visíveis e igualmente importantes, dirigidas nomeadamente a criar uma nova cultura organizacional ou a melhorar sinergias entre importantes sistemas de controlo.
Em suma, com lideranças comprometidas, uma sociedade civil consciente e visão, os Estados têm sem dúvida capacidade para responder, com rigor e sem tentações de justicialismo, às expectativas dos cidadãos e às exigências da coisa pública. E é assim, que o que me parecia descrença, escrito em 2011, é um bom preâmbulo para o debate que se recomeça. Ponderemos sempre os caminhos do direito, sem nunca esquecer a esperança que suscitam e a frustração a que podem conduzir.