O modo da perspetiva da qual vemos modifica a visão, ou seja, altera a paisagem da aldeia na encosta da montanha, consoante estamos no vale ou no cume. Analogicamente há quem veja no rumo da história a humanidade em ascensão contínua, esses dizem-se progressistas, outros veem declínio nos mesmos factos históricos e, sem se acharem pessimistas, dizem-se conservadores. Em ambos os casos, sempre a subir ou a descer, a história é uma reta avaliada por quem se julga fora dela, posição impossível a não ser pelo olhar da eternidade divina, única deveras objetiva! Fixemos outra linha geométrica, quiçá sinuosa em frequência ondulatória imitando ciclos de altos e baixos, dialética de ação e reação entre ideias, muito acima, portanto, da luta de classes economicista a que tanto a esquerda marxista como a direita liberal se submetem. E, todavia, Deus providencia!
Parece exagero, mas este arrazoado justificativo vem a propósito do resultado das eleições legislativas portuguesas de 10/março: após a costumeira divisão partidária e ideológica entre esquerda e direita da qual emergiam sempre dois polos, PS e PSD, resultaram objetivamente três vértices adicionando o Chega aos outros dois. Ou seja, a baixa tensão segmentada e contida de uma reta entre dois pontos passou a triângulo por via da opção decisiva de Luís Montenegro no seu ‘Não é Não’ que, não só não fez crescer a sua área política (AD-PSD+CDS, ficou igual), como caucionou a linha vermelha que a esquerda lhe impusera. Conclusão: o Chega fica de fora, faz de conta que essa gente obtusa não é portuguesa, mora em Olivença, quiçá em Badajoz! Problema: o país veio a saber, após 10/março que nem Badajoz chega, um milhão e duzentos mil precisariam de cidade maior! Diz o sistema aturdido: ‘temos de os aguentar’! Uns chamam-lhes energúmenos, trogloditas e outros mimos eruditos pois a fase fascista já não cola para tanta gente, outros mais maternais (os calos apertam!) pedem tolerância, compreensão e até… carinho! Era destes que André Ventura chamava direita fofinha! Voltando à geometria de retas e triângulos importa começar a estudar trigonometria e, principalmente, deduzir pelos étimos linguísticos que a palavra ‘intriga’ implica sempre no mínimo três pessoas; duas dá dialética sintetizando, diálogo conversando, duelo brigando. Ora, nesta intriga, aí estão os três depois de 10/março: PS, PSD e Chega. E porque se passou da reta entre dois polos nítidos e claros para o triângulo da intriga à beira do pântano? Resposta: pelo ‘Não é Não’ montenegrino. Mais valia ter escalado o Monte Branco alpino para de lá ver melhor esta nossa aldeia portuguesa, com certeza!
Chegados à intriga há quem afirme o início desta legislatura marcado pela birra de André Ventura (suicídio já se disse) mas talvez tal ponto de vista advenha de se ver um segmento de reta onde agora há triângulo: quem expulsou o Chega do segmento da direita foi Montenegro, exilando, ostracizando, para fora das direitas que deveriam ser plurais a legítima, atual e necessária agenda política do partido de André Ventura. Aliás, o tal milhão e duzentos mil votos vieram justificar tal agenda! Quem fez o triângulo foi a AD. No dia 26 de Março, o da ‘birra ou suicídio’, o que se passou foi isto: ao CDS conveio obrigar a AD a manter o cerco ao Chega, levando Nuno Melo, ajudado por Rangel, a iniciar a intriga semântica entre acordo ou entendimento; ao Chega depois do irredutível ‘Não’ montenegrino convinha passar do segmento de reta ao triângulo deixando o PSD nos braços do centro esquerda de onde desde Passos nunca saiu. A direita natural e normal nunca governou desde o 25/Abril, nem Cavaco nem Passos o fizeram, se bem que um simples livro – Identidade e Família – tenha lançado outros triângulos a serem geometrizados. Não por acaso nenhuma figura proeminente do PSD esteve presente. Mas isso são novas intrigas, algumas das quais o país verdadeiramente precisa!