Muitas vezes no final de um dia longo e agitado, depois de deitarmos os mais pequenos, de lhes aconchegarmos a roupa com um beijinho e apagarmos a luz, surge na escuridão uma vozinha que pergunta qualquer coisa como: ‘Quantos anos é que eu vou ter quando tu morreres?’. Ficamos com o peito colado às costas, com pouca vontade de nos confrontarmos com essa fatalidade que anda tão longe do nosso pensamento e que pensávamos que estaria ainda mais longe do pensamento daquele pequeno ser que parece só pensar em brincar e viver o momento. Como é possível fazer uma pergunta tão difícil com uma ligeireza daquelas? Perante uns segundos de silêncio podem surgir outras questões mais filosóficas: ‘Como é que as pessoas morrem? Para onde vão depois? Como é que nascem? Onde é que estávamos antes de nascer? E afinal, como é que tudo começou?’
Quando pensávamos que se preparavam para adormecer, é precisamente quando os seus medos, dúvidas e receios parecem despertar. A verdade é que aquele é não só o momento em que se despedem e se separam de nós e do dia, mas também em que ficam a sós no escuro com os seus pensamentos. É o tempo privilegiado para se dedicarem às suas dúvidas existenciais sem perderem pitada das solicitações diurnas.
Se por um lado estas questões são colocadas com uma enorme naturalidade e pragmatismo – porque assentam na inocência e ingenuidade, no total desconhecimento da carga que representa para nós – as respostas não são dadas com a mesma facilidade. Umas porque não sabemos, outras porque nos confrontam com os nossos próprios medos e outras ainda porque temos receio de que sejam demasiado duras para oferecer a crianças tão pequenas.
Àquela hora da noite não vale a pena montar uma palestra, mas perguntas tão profundas e importantes também não podem ficar sem resposta. Como em tudo, dentro do possível, deve ser-se sincero e dizer a verdade, sempre adequada à idade da criança, à sua maturidade e capacidade de compreensão. Devemos deixá-las descansadas, mas sem inventar histórias demasiado fantasiosas ou improváveis. Mesmo que sejam pequenas, o descolamento da realidade que por vezes somos tentados a fazer com a intenção de não lhes causar preocupações, medo ou sofrimento, pode vir a ter o efeito contrário. As crianças não precisam de uma explicação muito fundamentada nem muito longa, precisam de uma resposta que faça sentido. Explicações pouco plausíveis podem fazer surgir ainda mais dúvidas, inseguranças e ansiedade. Como por exemplo explicar que as pessoas deixam de estar presentes porque vão fazer uma viagem para um sítio muito melhor. ‘Ai, sim? Então por que não vamos todos? E por que nos deixou aqui? Como faço para ir lá ter? Por que não telefona? E quando é que volta?’
Com proximidade, carinho e bom senso, sem grandes explicações técnicas, longas descrições, nervosismos ou receios, conseguimos dar uma – ou várias – respostas que as deixam descansadas e lhes permitem entregarem-se ao sono com segurança. E nós também fechamos a porta mais tranquilos, até à próxima pergunta.