São várias as perguntas que surgem na nossa mente quando pensamos em pessoas transgénero. Por exemplo, quando é que surgiu a primeira? Pessoas trans têm existido ao longo da História. Embora o termo “transgénero” seja relativamente recente, pessoas cuja identidade de género difere do sexo atribuído ao nascimento têm existido em diferentes culturas e períodos históricos.
Há evidências documentais e representações artísticas datadas de até há 4500 anos, nos textos sumérios e acádios, que mencionam sacerdotes transgénero, conhecidos como “gala”. Na região do Mediterrâneo, de há aproximadamente 9.000 a 3.700 anos, também existem possíveis representações artísticas desse fenómeno. Na Grécia Antiga, Frígia e Roma, havia sacerdotes chamados “galli”, que alguns estudiosos sugerem terem sido mulheres trans. O imperador romano Heliogábalo, que governou até à sua morte em 222 d.C., preferia ser chamado “senhora” em vez de “senhor”. Almejava uma cirurgia de redesignação de sexo, sendo considerado uma das primeiras figuras transgénero da história.
Por outro lado, Lili Elbe tornou-se a primeira pessoa transgénero a passar por um procedimento de redesignação de género, pelo menos conhecida historicamente. O seu processo de transição incluiu uma castração cirúrgica supervisionada pelo médico alemão Magnus Hirchsfeld, conhecido por fundar a primeira associação de defesa de homossexuais e transexuais. Posteriormente, Lili passou por várias operações realizadas pelo cirurgião Kurt Warnekros, de Dresden, a quem ela se referia como seu “criador” e “salvador”. Em 1933, Warnekros planeava concluir o processo implantando um útero em Lili e criando uma vagina artificial. No entanto, Lili não resistiu à cirurgia e faleceu dias antes de completar 50 anos.
Há outras questões que podemos colocar. Será que as pessoas trans vão ao urologista ou ao ginecologista? “Depende”, começa por explicar uma médica ginecologista com experiência nesta área. “Muitas mulheres trans podem negligenciar a sua saúde urológica, seja por falta de informação, receio de discriminação ou outros obstáculos. No entanto, é crucial destacar a importância de dar prioridade à saúde e à qualidade de vida em primeiro lugar”, garante.
Para a profissional de saúde, uma questão relevante é o cancro da próstata, um problema que afeta principalmente os homens, mas que também pode representar um risco significativo para mulheres trans. Apesar da identificação de género, muitas mulheres trans nasceram com sistema genital masculino, incluindo a próstata. Mesmo após cirurgias de redesignação, a próstata geralmente não é removida, o que significa que o risco de ter cancro permanece. Portanto, é fundamental que as mulheres trans consultem um urologista regularmente, especialmente a partir dos 45 anos, para exames preventivos. “Mesmo para aquelas em terapia hormonal, embora haja evidências que sugerem uma redução nos riscos de cancro da próstata devido ao bloqueio da produção de testosterona, ainda é essencial monitorizar a saúde urológica”, sublinha.
Para aquelas que passaram por cirurgias de redesignação que incluíram a remoção da próstata, o risco de cancro é praticamente eliminado. Contudo, é importante lembrar que essas mulheres podem enfrentar desafios ao procurar atendimento urológico, dada a comum falta de sensibilidade e compreensão em relação à sua identidade de género.
E os homens trans? “Se possuem órgãos reprodutivos como útero e ovários, pode ser necessário realizar um exame pélvico numa consulta ginecológica”, explicita a médica. Durante a consulta, o médico pode observar qualquer irregularidade no colo do útero, útero e ovários, se existirem essas estruturas. Se a pessoa possuir um colo do útero, pode ser recomendado realizar um exame de Papanicolau para analisar as células e detetar sinais de cancro. Também é essencial fazer exames para detetar infeções sexualmente transmissíveis ou infeções vaginais, se tiver uma vagina. “Se possuir seios, é fundamental que eles sejam examinados, já que o cancro da mama pode afetar pessoas de qualquer género”, indica. E caso menstrue, é útil informar a data da última menstruação, bem como quaisquer questões relacionadas com regularidade, fluxo, cólicas, entre outras.
Mas nem tudo decorre sem problemas. Adriana, uma mulher trans, recebeu uma indemnização, no Brasil, após ter processado uma clínica no Pará por ver a sua consulta com uma ginecologista negada. Após ter passado por uma cirurgia de redesignação sexual em 2008, Adriana enfrentou problemas hormonais e procurou ajuda médica. Embora tenha sido atendida uma vez pela especialista, o seguro de saúde não cobriu os custos da consulta, levando a profissional a recusar atendê-la novamente. Essa recusa resultou numa ação judicial, na qual Adriana obteve uma compensação financeira.
No entanto, existem outras questões que nos podem causar dúvidas. A título de exemplo, como é que se processa a mudança em termos oficiais? É possível solicitar a alteração da menção do sexo e do nome próprio no registo civil se for maior de idade ou tiver 16 ou 17 anos, com a aprovação dos representantes legais. Para isso, basta dirigir-se a um Registo Civil e preencher um formulário específico, fornecendo o número do seu Cartão de Cidadão e o novo nome pretendido. Se tiver 16 ou 17 anos, também precisará de apresentar um relatório médico que ateste a sua capacidade de decisão e consentimento informado, sem mencionar diagnósticos de identidade de género. Além disso, deverá expressar o seu consentimento perante um conservador.
Após o registo da mudança de nome e sexo, tem até 30 dias para atualizar o seu Cartão de Cidadão. Esta atualização também pode ser realizada no registo de nascimento, se necessário, e todo o processo é gratuito. Pode realizar o pedido em qualquer conservatória do registo civil. Se estiver no exterior, pode fazer o pedido no consulado local, que encaminhará os documentos para processamento.