José Cid. ‘A música não tem passado nem futuro’

No próximo sábado, José Cid sobe ao palco da Music Station com o espetáculo ‘Deus Inventou o Rock’. “Vai ser uma festa de três horas de atuação!”.

É responsável por alguns dos maiores êxitos da música portuguesa. Tem mais de 60 anos de carreira, 25 discos de prata, oito de ouro e três de platina. Além disso, coleciona inúmeros prémios tanto em Portugal, como além-fronteiras. Aos 82 anos José Cid continua a dar música ao seu público e a proporcionar concertos cheios de dinâmica. Diz que dorme muito, que isso é um dos seus segredos e que está cada vez mais rockeiro. No próximo sábado, 4 de Maio, vai estar na Music Station com o espetáculo “Deus Inventou o Rock”. Ao seu lado terá Mário Mata, Tozé Brito e os Psyco, com apresentação de Fernando Alvim.

Vai pisar o palco da Music Station com o espetáculo “Deus Inventou o Rock”. O que nos pode contar sobre o concerto?

É uma visita muito cuidada a grande parte da origem do rock português. Vou buscar temas que escrevi ainda nos anos 60 e temas censurados muito antes do 25 de abril, como por exemplo “De Ditadores está o Cemitério Cheio”, ou “O doce e fácil reino do blá blá blá”. Embora eu seja um enorme admirador do pai do rock português, o Rui Veloso, efetivamente havia grande e muito bom rock antes dos anos 70. Portanto, 10 antes do Rui. Quando ele apareceu, já eu tinha gravado aquele que é considerado o meu álbum mítico 10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte, que 50 anos depois está nomeado entre os cinco melhores álbuns do mundo do rock popular. Vou tocar algumas faixas desse álbum! “Deus inventou o Rock” é também um tema da minha autoria. Portanto, vou tomar temas que vão surpreender e, claro, alguns clássicos (como não poderia deixar de ser). Vai ser uma festa de três horas de atuação!

Vai estar acompanhado?

Sim! Vai ter apresentação do Fernando Alvim e vai haver – e isso é muito interessante -, três convidados. O Mário Mata, que irá cantar dois temas: “Então Ó Zé”, uma grande rockalhada, e uma balada muito bonita da sua autoria que se chama “Já Conheço Esse Olhar”. Convidei também dois músicos da banda mais famosa do Porto dos anos 70, os Psyco. Já são velhotes como eu e estiveram no fim de semana passado comigo na Arena de Portimão. Arrasaram! É o Tony e o Vasquinho Moura. Irá também o Tozé Brito para cantar dois temas, um deles o “D. Sebastião”. Vai ser mesmo muito divertido e como estão a perceber irá ter uma dinâmica muito especial! Aquela casa inicialmente chamava-se Rock Station, agora é a Music Station, mais abrangente. Mas o rock tem de estar presente. É um público muito jovem e gosta de dinâmica. É isso que vamos fazer.

Gosta de partilhar o palco com colegas?

Adoro! Nunca gostei de louros só para mim. Sempre gostei de dividir, apoiar e ser solidário com os meus colegas. Estar com as pessoas de quem gosto! Não apareço mais porque há uma certa juventude – com raras exceções -, que acha que eu já passei de moda. Mas depois enfrentam-me em palco e não têm hipótese! [risos] Preservei a voz. Com a idade que tenho isso é muito bom. Durmo muito, descanso muito! Tenho-me aguentado bem! É maravilhoso poder continuar a fazer aquilo que gosto, que é dedicar-me à música!

Vai ter mais alguma surpresa neste concerto?

Vou aproveitar para lançar o meu novo single incluído num álbum que sai em Setembro/Outubro, que se chama “Dá-me uma Gotinha de Água”. É um rock retirado da música popular alentejana. O videoclipe é feito na minha terra natal, na Chamusca, um local histórico que tem uma capela seiscentista e uma vista esplendorosa sobre o Ribatejo. É um videoclip muito simples mas muito direto.

Já são muitos anos de carreira… Sente que mudou muito enquanto artista?

Sinto que estou mais rockeiro! E posso explicar-lhe porquê… 70 a 80 % da nova música é muito fake, toda feita com loops constantes, com efeitos, computadores no palco, etc. Aquilo soa-me um bocadinho a falso. Tudo começou com a grande obreira do fake que se chama Madonna… Há pelo menos 20 raparigas no Porto e 20 em Lisboa que cantam melhor, mas ela teve a sorte de não nascer em Portugal! [risos] Aquilo é tudo muito playback. Como é que uma mulher daquela idade consegue cantar e dançar assim? É impossível não estar cansada. É muito artificial. Eu sou contra isso. Quero continuar a fazer o que é verdade. Eu canto, os músicos tocam e não há artifícios. É também por isso que eu gosto muito do rock. Nesse género – também no jazz e no blues -, essa ideia está muito afastada. Claro que ainda canto as minhas baladas… Mas essas caem muito bem no meio de canções mais densas e pesadas. Não gosto de dar secas aos públicos. Há dois anos, nesta altura, eu era número um no top português com um triplo álbum que se chama Vozes do Além. Também vou tocar temas deste álbum neste meu concerto.

Por falar em público… O público alterou-se muito com o passar dos anos?

Não, comigo não! Ainda há dois anos toquei no Rock in Rio – um público muito jovem -, e a produção pediu-me que cantasse mais uma hora. Não me pagaram por isso, mas o público estava tão animado que não podia dizer que não. Eu não viro as costas ao público. É muita gente nova que durante duas horas vibra comigo. Eu tenho uma dinâmica muito própria em palco. Não vou para lá para falar, vou para cantar. Quem vier a seguir que faça melhor. [risos]

De onde vem toda essa energia? Quando se faz aquilo que se ama faz-se melhor. Tudo o que se faz com amor faz-se melhor! E do amor vem o entusiasmo, sim! Do entusiasmo vem a alegria e desta vem a loucura! Ah! E da loucura, vem a provocação. É isso que acontece quando se canta!

Alguns artistas da nova geração estão a reinventar a música de intervenção. Continua a fazer-se boa música em Portugal?

Há jovens artistas que estão a descobrir os grandes compositores, em particular o Zeca Afonso. Já devia ter sido Prémio Nobel da Música há muito tempo… Mesmo antes do Bob Dylan. Ele é em tudo superior ao Bob Dylan, mas alguns portugueses não percebem isso. Desde a voz, à humildade, à melodia, tudo! Felizmente muitos jovens artistas já perceberam isso e é muito bom! A Garota Não, por exemplo, acaba os espetáculos com a música “Não há Nada para Ninguém”, do Mário Mata. É um êxito monstruoso! O Salvador Sobral fez uma versão minha da “Pigmentação”. Os Ganso gravaram aquilo que é o primeiro rap português: os “Portuguese Boys”, que cantei em 1979. A Marisa Liz gravou o “Cai Neve em Nova Iorque”, com uma versão muito à frente. Além disso, os Capitão Fausto dedicaram-me um tema. Tudo isso é muito bom. A música não tem passado nem futuro. Nunca é datada, é sempre feita de uma forma intemporal e sem espaço. Quando ela é datada, está praticamente ultrapassada.

Acha que a música continua a ter o mesmo poder?

Claro que sim! Hoje, as novas gerações, durante o ano inteiro, fazem muitas canções românticas, um bocado tristes. Nós ficamos com pena, porque coitadinhos… Com 20 anos deviam fazer coisas alegres. É por isso que eu gosto muito da Garota Não. Gosto de artistas que cantam músicas divertidas e principalmente de mulheres que não se subjugam ao jogo masculino. Acho esse lado rebelde muito interessante. Eu continuo na minha, a gravar as minhas coisas. Optei, nos últimos anos, por muita dinâmica. Os meus concertos têm muito rock, muita música popular e algumas baladas. É por aí que eu vou. Sou um cantor ao vivo. Preservo a minha voz e não me custa estar duas ou três horas ao piano a cantar. É uma dádiva!