André Villas-Boas. A Vitória da coragem

André Villas-Boas conquistou a ambicionada “cadeira de sonho” aos 46 anos. O ex-treinador e agora presidente do FC Porto afirmou que o “Dragão” está novamente livre, mas admitiu que vai ser árduo o caminho para recuperar os valores do clube, que é um símbolo do país e, em particular, da região Norte.

As eleições mais concorridas de sempre foram bem reveladoras do estado de espírito da nação portista: 80,3% dos sócios votaram em André Villas-Boas e apenas 19,5% em Pinto da Costa, dito de outra forma, 21.489 sócios optaram pela mudança e somente 5.224 quiseram manter o velho líder. Nas eleições de 2020, Pinto da Costa venceu com 5.377 votos (68,6%) num universo de 8.480 votantes, significa isto que o antigo presidente teve agora menos 153 votos, apesar do número de votantes ter triplicado. Os sócios não ficaram agarrados à história, não se intimidaram com as ameaças e também não levaram a sério a chantagem de Pinto da Costa,  que afirmou: «Se os sócios se esquecerem destes 42 anos, as consequências serão deles», e deram uma resposta demolidora: não ganhou em nenhuma das 44 mesas de voto.

André Villas-Boas fez tudo bem feito para chegar à nova cadeira de sonho. Juntamente com a sua equipa delineou uma estratégia e elaborou uma agenda para chegar à presidência. Contudo, teve de reajustar essa agenda e avançar antes do previsto quando percebeu que o clube estava a ir ao fundo a nível financeiro e a impunidade reinava no Dragão. Com coragem, resistiu às ameaças, aos atos de vandalismo à sua residência e viu um dos seus, o vigilante do condomínio, ser violentamente agredido por alguns dos mais perigosos elementos dos Super Dragões. Às insinuações e ao discurso de baixo nível de Pinto da Costa, respondeu com factos e firmeza. Foi o seu grande amor ao FC Porto que o fez manter-se firme na luta pela mudança… sempre acompanhado por seguranças, uma vez que o SIS entendeu existirem ameaças concretas à segurança do candidato. Parece uma história da América Latina, mas passou-se em Portugal, num clube que, na sua essência, tem outros valores.

Os próximos quatro anos vão ser um desafio para Villas-Boas. Habituado a tomar decisões no relvado, o ex-treinador vai agora desempenhar funções executivas. O novo presidente foi claro na avaliação do momento do clube, dizendo «que não haja dúvidas que o FC Porto está livre de novo», e deixou um primeiro alerta: «Temos uma longa missão pela frente. É um trabalho árduo numa casa que tem de ser estruturada, arrumada e organizada. Temos de conquistar títulos e sustentar o clube para o futuro, que é o mais importante». O novo presidente teve ainda uma palavra de apreço para com o seu antecessor. «Está na altura de fazer uma boa e grande despedida ao Sr. Pinto da Costa por tudo o que fez pelo FC Porto, se ele assim entender. De mim, contará com o meu respeito e amizade», disse. O primeiro encontro entre os dois teve lugar quatro dias depois, no Dragão Arena, e acabou com um abraço e alguns sorrisos.

André Villas-Boas vai tomar posse como presidente do clube na próxima terça-feira, dia 7. A transição de poder na SAD, onde está integrado o futebol profissional, vai demorar mais algum tempo, pois é necessário realizar uma Assembleia-Geral de acionistas, que só pode acontecer 21 dias depois da tomada de posse dos novos órgãos sociais.  Em relação a transição de poderes, Villas-Boas fez saber que «foi uma vitória estrondosa e não há razão nenhuma para estas pessoas continuarem em funções», e considerou que a renúncia era o cenário ideal. Se isso não acontecer, a futura administração deve entrar em funções no final de maio, e é provável que possamos ver André Villas-Boas, em representação do clube, e Pinto da Costa, como administrador da SAD, sentados lado a lado na tribuna de honra do Estádio Nacional na final da Taça de Portugal.

Fim de linha

O presidente cessante saiu do Dragão sem dizer uma palavra, nem aos fanáticos apaniguados que o aguardavam no exterior do estádio, e só no dia seguinte telefonou a Villas-Boas a dar os parabéns pela vitória eleitoral. Não há memória de algo semelhante num ato eleitoral, o derrotado é sempre o primeiro a falar. Se a elevada participação dos associados foi uma prova de vitalidade do clube, o comportamento do ex-presidente e seus acólitos mostra uma mesquinhez e um mau perder difíceis de entender. A informação de «uma democracia indomável e imortal levou 26.876 sócios às urnas» publicada na página oficial do clube foi, em parte, desmentida por Pinto da Costa. Seguindo uma mentalidade fechada há muito vista no clube, Vítor Baía foi o único a reconhecer publicamente a derrota ao «felicitar a lista B pela vitória». Importa dizer que essa lista tem um rosto e esse rosto é André Villas-Boas, o novo presidente dos azuis e brancos. O apego ao antigo líder tem destas coisas.

Ao longo dos 15 mandatos de Pinto da Costa, o FC Porto conquistou muitos, muitos títulos, o que faz com que seja o presidente mais titulado do mundo. A nível interno, venceu mais do que os rivais de Lisboa juntos: foi campeão nacional 23 vezes, o Benfica venceu 13 títulos e o Sporting cinco, e conquistou o mesmo número de Taças de Portugal, 15, que o Benfica e Sporting, os encarnados têm nove troféus e os leões seis. Foi também nesse período que os portistas ganharam notoriedade internacional com sete títulos. Só que estas eleições foram o fim de linha. Durante 42 anos mandou no futebol azul e branco e não só, sempre acompanhado pelo séquito de seguidores, alguns deles nada recomendáveis, como é o caso do seu amigo Fernando Madureira, líder dos Super Dragões, que está em prisão preventiva e o Ministério Público pediu  a prisão efetiva por atos de violência contra adeptos de um clube rival. 

O reinado de Pinto da Costa ficou ainda marcado por suspeitas de corrupção e tráfico de influências no futebol profissional que prejudicaram a imagem do clube e do futebol português. No famoso processo ‘Apito Dourado’ foi acusado de ter corrompido árbitros na temporada 2003/04 nos jogos que envolvia o Estrela da Amadora e o Beira-Mar. Foi com base nas escutas – podem ser ouvidas no You Tube – que o dirigente portista e restantes arguidos foram condenados, mas o Tribunal Constitucional acabaria declarar as escutas inconstitucionais e grande parte das acusações caíram por terra. Pinto da Costa acabaria, no entanto, por ser suspenso por dois anos pela justiça desportiva e foram retirados seis pontos ao FC Porto. O clube foi ainda multado em 150.000 euros, e Pinto da Costa obrigado a pagar 10.000 euros na sequência de dois processos instaurados pela liga portuguesa.

A sua presidência ficou também marcada pela guerra contra o Sul e, em particular, contra o poder de Lisboa. A bandeira da regionalização era, de facto, muito grande, e foi debaixo dessa bandeira que levou o futebol para o campo político. São também célebres as pressões e as ameaças contra quem criticasse a doutrina portista, sempre com a marca dos Super Dragões. Foram décadas de profundo desrespeito pela liberdade dos outros e de um discurso de ódio contra Lisboa, e não só – sempre fez questão de tratar os outros clubes por «inimigos».

Mas a história tem coincidências curiosas. Foram as agressões a outros sócios e o comportamento intimidatório da claque liderada por Fernando Madureira na Assembleia-Geral de 13 de novembro quer deram origem à ‘Operação Pretoriana’. Sem saberem, estavam a traçar o destino a Pinto da Costa. O que se passou nessa assembleia e nos dias seguintes mostrou ao universo portista em que mãos estava o clube. Depois, a perda de competitividade no futebol, os casos com a equipa técnica, a má gestão de recursos, com a saída a custo de zero de jogadores fundamentais, e a depauperada situação financeira, com nova ameaça da UEFA, motivaram uma forte reação dos sócios. Depois do que se passou no Sporting e, mais recentemente, no Benfica, podemos dizer que o pensamento livre ganhou e o velho futebol dos caciques chegou ao fim.