Não há assim muitos clubes chamados 1º. de Maio, mas os que existem tiveram uma história bonita. Aqui ao lado, Amália Rodrigues no primeiro clube de Lourenço Marques – o primeiro; à esquerda em baixo, é o pai de Carlos Queiroz. Na outra foto o campo do 1º de Maio do Figueiró, município de Paços de Ferreira.
Dizia o slogan: «1º. de Maio – Dia do Trabalhador. Ninguém trabalha!» Vivemos esta semana o 50º dia 1º. de Maio em liberdade. Este dia primeiro do mês quinto é celebrado em todo o mundo por causa da coragem de um grupo de trabalhadores de Chicago que, fartos da exploração de trabalharem 12 horas por dia em troca de ordenados miseráveis, encetaram uma luta para a redução dessas horas para as oito diárias. Combatidos pelos patrões que lhes negaram as justas reclamações partiram para uma greve geral que acabaria por ter lugar precisamente no dia 1º. de Maio de 1886. A revolta foi gigantesca e mobilizou operários de todo o país. Calcula-se que 340 mil trabalhadores de todos os Estados dos Estados Unidos não se limitaram a baixar os braços mas saíram para as ruas fazendo ouvir as suas vozes. «Não me obriguem/A vir para a rua/Gritar/Que é já tempo/D’embalar a trouxa/E zarpar», cantava o Zeca Afonso. Na América foram obrigados a ir para as ruas e gritarem alto as suas dores. A paralisação não se ficou pelo dia 1. Eram milhares a mais para serem contidos. A greve manteve-se pelos dias que se seguiram. No dia 4, em Haymarket Place, um local que se tornou infame, eram outra vez milhares alardeando uma notável vontade de mudança. E então, a polícia, braço armado de todos os fascismos, puxou dos bastões. Uma bomba explodiu matando cinco homens fardados. Contaria a História nos tempos que se seguiram que a bomba tinha sido planeada para explodir pela próprias forças policiais de forma a justificar o massacre que se seguiu. Talvez não tenham imaginado que a morte estaria à espreita nas mãos desastradas do bombista mal treinado. A brutalidade com que os manifestantes foram atacados também ficou manchada a sangue nos labirintos esconsos da História. Quatro tombaram mortos a tiro. Deram-lhe o nome de Haymarket Massacre ou de Haymarket Riot. Em 1919, 33 anos depois, a França estabeleceu as oito horas diárias de trabalho na sua legislação laboral e proclamou o dia 1 de Maio como feriado.
O futebol passou ao lado
O futebol passou um bocado ao lado da data, vá lá saber-se se por muitos anos não ter sido considerado um trabalho. Mas quando vamos em busca de clubes que ostentem, orgulhosos, o nome de 1º de Maio, deparamos inevitavelmente com o mais antigo de todos em Portugal, o 1º de Maio Futebol Clube Sarilhense, fundado em 1 de Maio de 1918. Marcolino Fernandes é o grande cabouqueiro da história do clube e é necessário agradecer-lhe todo o tremendo trabalho de pesquisa que fez sobre a agremiação de Sarilhos Pequenos, essa uma vila na margem sul do rio Tejo de pescadores e salineiros. É a ele que recorremos para seguir a explicação de um nome: «O nome 1º de Maio não terá surgido por mero acaso, se tivermos em conta as mudanças políticas que se verificavam à época, em todo o mundo, aquando da fundação do clube por trabalhadores marítimos, fragateiros de Sarilhos Pequenos. Em Portugal vivia-se a 1ª República (5 de Outubro de 1910 – 28 de Maio de 1926) com todas as convulsões e repercussões inerentes. No resto do mundo predominava as influências da revolução Russa de 1917. O movimento anarco-sindicalista português e as lutas sociais influenciavam as classes trabalhadoras. Por isso, não eram raras as conotações com as datas mais significativas das lutas dos trabalhadores em todo o mundo, como é o caso do dia internacional dos trabalhadores».
Hoje em dia, o 1º de Maio Futebol Clube Sarilhense está arredado do futebol competitivo mas orgulha-se de ter tido como jogador, primeiro nas camadas jovens e depois, durante uma época na III Divisão, um jogador de nome Manuel José Tavares Fernandes, o Manuel Fernandes, um querido amigo muito antigo que passa por momentos difíceis da sua vida. O Manel seguiria para a CUF que, com o Vitória de Setúbal, era um dos grandes consumidores de jogadores da terra. Depois faria, no Sporting, a carreira que todos conhecemos. Houve um dia que, com a equipa de A Bola, sempre formada por uma mescla de jornalistas e antigas estrelas, jogámos orgulhosamente no Campo do Brechão.
Talvez por causa da sua passagem pela I Divisão, a Associação Naval 1.º de Maio, da Figueira da Foz, outro clube muito antigo, fundado no dia 1º de Maio de 1893, sucedendo à extinta Associação Naval Figueirense, seja de todos os 1ºs de Maio o mais famoso em Portugal. Também o seu nome deriva da raiz eminentemente operária que desde sempre o clube possuiu, assim como o dia escolhido para a sua implementação – o Dia do Trabalhador. Mas viajemos até à antiga colónia de Moçambique e deparemos com o Grupo Desportivo 1º de Maio, que abriu portas a 1 de Maio de 1917, e foi o primeiro grupo desportivo a existir na velha Lourenço Marques. Sendo um afiliado de Os Belenenses teve o privilégio de contar com a primeira grande vedeta do futebol moçambicano, Sebastião Lucas da Fonseca, o Matateu, que acabaria por vir para Lisboa e para o Belém, como não podia deixar de ser. Mas tantos outros nomes vestiram aquela camisola, alguns com sucesso na Metrópole: Vicente, José Guerreiro, Abibe, Pontes, Merali, António Brassard ou Rui Rodrigues. Também o pai do meu bom companheiro Carlos Queiroz foi jogador do clube numa das suas fases mais populares, sendo que o 1º de Maio de Lourenço Marques foi sempre extremamente popular a despeito de ter passado ao lado dos títulos regionais, ao contrário do que sucedia com o Ferroviário, o Desportivo ou o Sporting. Uma foto da equipa com Amália tornou-se icónica e podem vê-la publicada na abertura desta peça. Para a História sempre labiríntica, resta a aura de um clube criado por revolucionários portugueses e moçambicanos, portanto contestatários que se identificavam com os primeiros movimentos sindicalistas no tempo colonial.
Corra-se Portugal de lés a lés, as antigas colónias e o Brasil. E encontrem-se clubes curiosos, 1ºs de Maio, claro está!, como o 1º de Maio Esporte Clube, da cidade de Petrolina, no Estado de Pernambuco, o primeiro a profissionalizar-se na região. Ou, mais cá por casa, o Clube Recreativo Cultural 1º de Maio do Figueiró, do município de Paços de Ferreira, que nasceu muito originalmente da Biblioteca de Figueiró. Na ilha do Príncipe há o simplesmente 1º de Maio, um clube multidesportivo, como se assume, e fundado apenas em 1982. A Associação Cultural Desportiva Social 1º Maio, de Requião, Famalicão, nasceu em 1963 e resume-se às práticas de futsal, bilhar e caminhada. O Clube Desportivo 1º de Maio, do Funchal, dedica-se sobretudo ao ciclismo, mas já vem de 1925. Em Moçambique também há o Clube 1º de Maio de Quelimane, mas muito longe de ter a história do seu homónimo de Lourenço Marques. Enfim, quem sabe 1º de Maio não seja propriamente um nome. Talvez mais um estado de espírito…