No dia 9 de março de 2026, Marcelo Rebelo de Sousa poderá estar livre para regressar ao comentário político. Será bem vindo. Os portugueses vão apreciar. Nessa altura, Marcelo termina o seu segundo e último mandato presidencial. Pode fazer a viagem de volta ao território onde se movimenta como mais ninguém: um estúdio de televisão.
Nesse momento, 2026, iremos lançar um olhar rigorosamente analítico sobre os 10 anos da Presidência de Marcelo. Só em 2026 é que poderemos concluir sobre a forma como Marcelo desempenhou as funções presidenciais. Até lá, vão sendo pontuados os episódios que envolvem Marcelo como os que marcaram as últimas semanas. São episódios que têm dominado o comentário e que, regra geral, são demolidores para Marcelo. Porquê? Porque Marcelo não consegue deixar de dizer o que pensa sobre tudo e todos e fá-lo com o seu principal traço de personalidade. Marcelo é portador de uma ironia que torna mais apurada a forma como utiliza a palavra – com killer instinct. É esta característica que exponencia a forma como foi percecionada negativamente a referência a Luís Montenegro como rural ou urbano-rural e António Costa como lento por ser oriental. O Presidente não quis ofender Montenegro e Costa, mas as palavras que utilizou são, na sua essência, depreciativas e é esse juízo de valor que prevalece.
Marcelo aparenta viver num dilema comunicacional e institucional. O Presidente não é comentador. Ou melhor, é, mas não pode ser. Marcelo ama as câmaras e os microfones e os microfones e as câmaras amam o Presidente. Sem conseguir colocar um filtro institucional à sua comunicação, o Presidente escorrega no politicamente correto e fica exposto às criticas mais ferozes. O Presidente dá munições aos que monitorizam as suas palavras e as imagens que lhe estão associadas como voltou a acontecer este fim de semana de novo na Ovibeja.
Estamos num tempo em que a comunicação de Belém exige distanciamento em razão da situação política; uma situação que requer prudência porque com uma maioria de centro-direita que está a ter muita dificuldade em governar, a janela temporal da atual solução governativa é incerta. Nestas circunstâncias, a função presidencial precisa de ser reabilitada pela razão de que não está afastada a hipótese de uma terceira dissolução.
Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Belém vindo do ‘Olimpo’, desse espaço sagrado onde coabitavam os Deuses da Antiga Grécia. O Presidente construiu o seu mandato tendo por cimento a proximidade. Na comparação com Presidentes anteriores, a lógica dos beijos, abraços e selfies funcionou e acrescentou carisma ao carismático Marcelo. O sucesso da fórmula começa a esgotar-se, num primeiro momento, com as declarações do Presidente sobre o caso da pedofilia na Igreja quando Marcelo desvalorizou as centenas de casos de agressão identificados. O segundo momento implicou o envolvimento do filho no processo das gémeas que, sabemos agora, teve como consequência uma rutura familiar. Há duas semanas, foi o jantar de 4 horas com jornalistas estrangeiros. Esta semana, foi a iniciativa do Chega que quer que o Presidente seja julgado por crime à Pátria. Uma loucura que só se compreende porque André Ventura vive do ruído e porque Marcelo permitiu que a sua função fosse desvalorizada. Agora, há que parar para pensar e encontrar resposta para a seguinte pergunta: Como é que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa quer ser lembrado na história da democracia portuguesa? Só o próprio poderá responder.