Pinceladas de luz

O Impressionismo foi beneficiado por ter surgido numa época de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial.

Impressão, nascer do Sol, a pequena tela de Claude Monet que pode ser vista no Museu Marmottan, em Paris, foi pela primeira vez exposta nesta cidade em 1874, há 150 anos. Terá sido pintada um ano ou dois antes e o seu título acabaria por batizar o movimento criado por um conjunto de talentosos artistas desejosos de romper com as convenções da arte académica – o Impressionismo. Unia-os o desejo de capturar a Natureza e a essência da vida quotidiana da forma mais imediata e espontânea, trabalhando ao ar livre e recorrendo a pinceladas soltas e a cores vivas para representar os efeitos da luz e da atmosfera, enfatizando a evanescência desses momentos.

O Impressionismo beneficiou do facto de ter surgido numa época de enorme desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. Não foram apenas novos pigmentos sintéticos resistentes à luz que passaram a estar disponíveis, bem como processos inovadores para os transportar em tubos reutilizáveis e hermeticamente fechados; foi, acima de tudo, a interpretação da natureza eletromagnética da luz e o entendimento dos princípios físicos e psicológicos da perceção da luz e da cor.

Foi em 1865 que o físico e matemático escocês James Clerk Maxwell publicou a forma final das suas célebres quatro equações da propagação ondulatória do campo eletromagnético, que uniram eletricidade, eletromagnetismo e ótica – até hoje, uma das maiores unificações teóricas alcançadas na Física. No entanto, foi somente em 1873, quando Monet provavelmente pintava Impressão, nascer do Sol, que Maxwell publicou Um Tratado Sobre Eletricidade e Magnetismo, obra na qual resumiu o seu trabalho em eletromagnetismo. Também se interessou pelo fenómeno da cor e da sua perceção, tendo, entre 1855 e 1872, publicado vários trabalhos sobre o assunto. Foi ainda criador de um método pioneiro de fotografia a cores, apresentado em 1861.

Em Paris, o químico francês Michel Eugène Chevreul, que foi diretor da secção de pigmentos da Manufatura dos Gobelins, a histórica fábrica de tapeçarias francesa, elaborou teorias da cor que suportaram o Impressionismo, nomeadamente a ‘teoria do contraste simultâneo’, segundo a qual a aparência visual de uma cor pode não ser a cor em si mesma, mas antes a sua perceção quando vista em simultâneo com outras. Declarações suas como «Quase sempre acontece que uma coloração precisa, embora exagerada, é considerada mais agradável do que uma fidelidade absoluta à cena», tiveram seguidores como Vincent van Gogh, que recorreu generosamente às cores complementares e ao seu efeito de reforço mútuo, assim como os Pontilhistas Georges Seurat e Paul Signac. Segundo Camille Pissarro, Seurat ter-lhe-ia descrito o Pontilhismo como uma tentativa de alcançar uma «síntese moderna, com meios cientificamente fundamentados, baseada na teoria das cores descoberta pelo Sr. Chevreul e nas experiências de Maxwell, bem como nas medições de N. O. Rood». N. O. Rood refere-se ao físico norte-americano Nicholas Ogden Rood, cujo livro Cromática Moderna, com Aplicações à Arte e à Indústria, publicado em1879, foi traduzido para francês dois anos depois. Nele, Rood salientava que «A cor é apenas uma sensação e não tem existência fora do sistema nervoso dos seres vivos».

O prolífico físico alemão Hermann von Helmholtz também contribuiu cientificamente para o Impressionismo. No seu Manual de Ótica Fisiológica (1867), associou as cores específicas dos pigmentos às componentes do espetro visível da luz solar (obtido quando a luz se decompõe ao atravessar um prisma ótico ou gotas de chuva, originando, neste caso, um arco-íris).

Décadas antes do nascimento do Impressionismo, a pintura de William Turner, em Inglaterra, também já ecoara a ciência e a tecnologia do seu tempo. Quem, ao observar Tempestade de neve – barco a vapor à entrada do porto (1842), não consegue vislumbrar na agitação do mar e do céu as linhas de força de um campo eletromagnético? Fora Michael Faraday, amigo do artista, que introduzira o conceito de linhas de força (visíveis ao pulverizar-se com limalha de ferro uma folha de papel próxima de um íman). Foi também Faraday que descobriu que um campo magnético variável induz uma força eletromotriz num condutor, criando nele uma corrente elétrica – a chamada indução eletromagnética. O genial cientista foi, assim, um dos primeiros a constatar que magnetismo e eletricidade são manifestações diferentes do mesmo fenómeno. Seria, porém, Maxwell, com as suas equações, que teria a última palavra a dizer. Depois dele, nada mais na ciência seria o mesmo. Na pintura também não!