O Governo do PS, já em período de gestão, lançou as bases do sistema de rotulagem Nutri-Score. Em causa estão as liberdades individuais e as economias locais, mas também as tradições gastronómicas nacionais ou regionais, incluindo a dieta mediterrânica. Vamos deixar que isso aconteça?
O ministro da Saúde do anterior Governo do PS, Manuel Pizarro, tentou lançar as bases para que Portugal possa adotar o polémico sistema de rotulagem de alimentos ‘Nutri-Score’, excluindo qualquer debate prévio no Parlamento, o verdadeiro coração da democracia, onde se se costumam defender as necessidades e os interesses dos cidadãos. Mais grave, isto aconteceu quando o executivo de António Costa já se encontrava em período de gestão, a 4 de abril de 2024, depois de ter sido derrotado nas últimas eleições legislativas de 10 de março.
Com o alegado pretexto de combater a obesidade e ‘incentivar’ escolhas alimentares mais saudáveis, as empresas do setor agroalimentar português são obrigadas a marcar ou rotular os seus produtos com um código de cores: vermelho para os alimentos ‘não saudáveis’, verde para os ‘saudáveis’. No entanto, este sistema vai muito para além de uma simples tentativa de manipulação: responde aos interesses comerciais e ideológicos de certos grupos industriais e políticos internacionais. O chamado “Nutri-Score” não só não consegue resolver eficazmente o problema da obesidade, como também ameaça a economia agroalimentar local portuguesa e restringe a liberdade de escolha dos consumidores.
Na realidade, não se trata apenas de um simples esquema de cores aplicado nas embalagens para orientar os consumidores para escolhas alimentares saudáveis. Trata-se antes de um instrumento político e comercial utilizado para influenciar o comportamento dos cidadãos e regular o mercado alimentar. Os defensores do Nutri-Score atribuem a culpa da obesidade a determinados nutrientes que, quando consumidos de forma equilibrada, são essenciais para a nossa alimentação.
No entanto, como sabemos pela literatura e por muitas provas científicas, as causas da obesidade são variadas e complexas. Não podem nem devem ser abordadas simplesmente com um sistema de semáforos no rótulo. Não é por acaso que as taxas de obesidade não diminuem nos países que adotaram o Nutri-Score. Pelo contrário, tendem a aumentar.
Em França, por exemplo, o sistema estaria presente em 75% dos produtos embalados. Mais uma vez, os defensores deste sistema de rotulagem podem argumentar que isto é um sinal de que ainda não é suficiente para cobrir 100% dos produtos – e que, em breve, deveria ser alargado aos menus dos restaurantes e à publicidade, conduzindo a um regime alimentar autoritário e inflexível.
Parece-me evidente que aqueles que promovem o Nutri-Score consideram que o consumidor é incapaz de escolher. Em vez de darem o conhecimento ou as ferramentas para que cada um possa adotar escolhas informadas e, portanto, livres, ‘sugerem-lhe’ o que é bom ou o que é mau de acordo com um algoritmo concebido por cientistas franceses com base em crenças ideológicas.
Sabemos que, de facto, não existem alimentos bons ou maus, é a dose que torna um nutriente ou um ingrediente saudável ou prejudicial, dependendo também do indivíduo que o toma. Cada indivíduo – e é esta a riqueza da humanidade sobre a qual a Europa foi fundada – é diferente. O Nutri-Score ignora deliberadamente a diversidade individual, privilegiando a velha abordagem determinista, de que tanto gostam as grandes burocracias das sociedades fechadas, do ‘tamanho único’. No fundo, o consumidor não só não pode escolher livremente e permanece ignorante em relação aos alimentos que ingere, como também acaba por ser enganado por um algoritmo que ignora totalmente as características individuais, o estilo de vida, a psicologia, etc..
Antes de aplicar qualquer política, especialmente quando se trata de saúde pública, é essencial avaliar as possíveis consequências indiretas. Ao analisarmos o Nutri-Score, verificamos que este sistema pode ameaçar a liberdade de escolha, limitar o acesso ao conhecimento e suprimir a diversidade alimentar. Neste ponto, porém, coloca-se a questão: serão estas consequências realmente indesejadas, ou refletem antes uma crença bem estabelecida que justifica a intervenção do Estado nas escolhas pessoais dos cidadãos em nome de um suposto bem comum?
Este sistema, tão fácil de propagandear como perigoso de adotar, reflete as ideologias daqueles que preferem não dar liberdade de escolha aos cidadãos. Reflete também os interesses comerciais dos grandes grupos industriais que, não estando ligados a uma tradição gastronómica específica como a rica tradição portuguesa, promovem produtos globalizados, procurando legitimamente economias de escala. Os grandes consórcios internacionais preferem estes sistemas de rotulagem porque lhes permitem manipular as fórmulas alimentares para produzir alimentos rotulados como ‘saudáveis’, mantendo o consumidor na ignorância dos pormenores.
As tradições locais enraizadas, como a dieta mediterrânica, ou as pequenas empresas que produzem através de métodos tradicionais, típicos de Portugal, mas também de todas as regiões europeias, seja a Grécia, a Itália ou a Espanha, mas também a Holanda, a Polónia, a República Checa ou a Suécia, são fortemente penalizadas: ou modificam as suas receitas, perdendo a autenticidade, ou correm o risco de desaparecer do mercado.
Esta é uma consequência dramática que o novo Governo português, tão atento às liberdades e às economias locais, deveria ter em conta para evitar a ‘desertificação’ alimentar de um país tão rico em cultura e tradição gastronómica.
Os cidadãos portugueses, tal como os cidadãos europeus, merecem ter acesso ao conhecimento e a poder fazer as suas próprias escolhas informadas. As empresas portuguesas, tal como as europeias, merecem competir de acordo com as regras do mercado livre.
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