Todos nos lembramos das aulas de trabalhos manuais onde moldávamos o barro com as mãos, dos teques, dos arames, dos pincéis mergulhados nos boiões de água e dos aventais. No final de várias horas de trabalho e de muito barro nas mãos, mangas, cara e cabelo, surgia uma peça da nossa autoria que depois de ir ao forno e de ser pintada e envernizada podíamos levar para casa. Também fazíamos caderninhos (cosidos, cortados e encadernados por nós), almofadas, pinturas em vidro, tecelagem e outras atividades. Eram trabalhos que desenvolviam a capacidade expressiva e a comunicação de forma livre, a criatividade e a imaginação, a habilidade, a destreza e a motricidade fina, que possibilitavam a exploração não só de diferentes materiais como de nós próprios, ao nível das emoções, persistência, rigor, autonomia e sensações. Eram trabalhos demorados, que exigiam planificação, dedicação e alguma paciência, mas sempre prazerosos. No final tínhamos o resultado: um objeto feito com as nossas próprias mãos que podíamos levar orgulhosamente para casa.
Mais tarde estas aulas foram agrupadas com as de Educação Visual, passando a ser denominadas ‘Educação Visual e Tecnológica’ (EVT) para depois serem novamente divididas em Educação Visual (EV) e Educação Tecnológica (ET).
No final de todas estas alterações, a antiga disciplina de ‘Trabalhos Manuais’ foi perdendo a sua essência. Logo pelo nome, a disciplina de ‘Educação Tecnológica’, mais conhecida por ‘ET’, dá-nos a sensação de que deixou fugir o seu carácter fundamentalmente prático e prazeroso. O mesmo se pode concluir pela sua definição aborrecida e genérica segundo a DGE: «A educação tecnológica integra uma forte componente educativa orientada para a cidadania, com base no desenvolvimento da pessoa enquanto cidadão participativo e crítico, consumidor responsável e utilizador inteligente das tecnologias disponíveis».
Pelo contrário, a disciplina de Trabalhos Manuais era uma disciplina concreta, em que se planeava, imaginava, moldava e criava. Em que se punha ‘as mãos na massa’. Era uma disciplina muito apreciada por todos e que não era de insucesso – como muitas vezes a de ET acaba por ser –, porque se baseava fundamentalmente na criatividade e originalidade, na habilidade e construção. Com certeza que tecnicamente uns trabalhos ficariam melhor do que outros e uns alunos seriam mais habilidosos numas áreas do que noutras, mas esse escrutínio não era o objetivo daquela disciplina, mas o de explorar e praticar técnicas diferentes, desenvolver a motricidade, inventar, criar, ter prazer no trabalho e até relaxar. Pelo contrário, a disciplina de ET é mais técnica e teórica e trabalha-se demasiado com papel milimétrico, régua, compasso e esquadro.
Quando a motricidade fina parece estar cada vez mais comprometida – vemos crianças que sabem fazer puzzles no telemóvel, mas não conseguem fazer os de cartão porque não entendem que têm de rodar ou virar as peças, que não sabem apertar os atacadores ou usar os talheres corretamente – foi uma pena a escola deixar de investir nas manualidades. Além de não se dar oportunidade a que os alunos descubram, pratiquem e se interessem por estas áreas, desinveste-se também a capacidade de explorarem, projetarem e criarem de forma livre alguma coisa sua, única e original. As inúmeras competências que esta disciplina oferecia dificilmente são encontradas noutras. Com uma carga horária absurda, os trabalhos manuais podiam ser uma lufada de ar fresco que esta escola, extremamente técnica, teórica e avaliativa, bem podia e devia aproveitar.
Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
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