Eintracht – tanto pode significar harmonia como concórdia. Esse é o nome do clube de futebol de Frankfurt (am Main, no caso, para não confundir com a outra Frankfurt que se debruça sobre o rio Oder e que se situa na província de Brandeburgo) que nasceu das raízes dos seus antecessores, o Frankfurter Fußball-Club Victoria von 1899 e o Frankfurter Fußball-Club Kickers von 1899, com a data da fundação a surgir nos nomes como acontece em muitos clubes alemães. Em 1920, o Frankfurter Victoria já tinha absorvido a maioria dos jogadores do seu adversário e realizou uma fusão com um clube que se dedicava sobretudo à ginástica, na verdade a verdadeira vocação desportiva dos alemães antes de se dedicarem, bem à sua maneira, a tornarem-se superiores em quase todos os desportos, o Frankfurter Turngemeinde von 1861, dando lugar ao Eintracht que, vá lá, numa tradução mais desportiva também pode ser considerado o União de Frankfurt. Durante o resto da década de 20 e, em seguida, na de 30, o Eintracht limitou-se a ambições regionais e parecia não ir sair tão cedo da cepa torta. Veio a II Grande Guerra e, depois dela, uma nova organização no futebol alemão. Os campeões regionais tinham acesso a uma espécie de fase final para encontrar o campeão da então Alemanha Ocidental, a Oberliga. Foi preciso esperar pelo ano de 1959 para que chegasse à final dessa competição, na qual defrontaram, em Berlim, o Kickers Offenbach, obtendo uma vitória tonitruante por 5-3. Tão tonitruante que ainda hoje representa o único título nacional conquistado pelo Eintracht. Um título que lhe deu acesso à Taça dos Campeões da época de 1959-60.
Com a presença, no próximo sábado, do Borussia de Dortmund no jogo decisivo de Wembley, frente ao Real Madrid, estaremos perante a 19ª final de clubes alemães na Taça/Liga dos Campeões: 11 do Bayern; três do Borussia de Dortmund; duas do Hamburgo; uma do Borussia de Münchengladbach, do Bayer Leverkusen e do Eintracht. No caso deste último, a primeira de todas.
Entrar de mansinho e sair esmagado
É de assinalar que depois da final de 1960, a Alemanha teve de esperar até 1974 para ver outra equipa sua na final, nesta caso o Bayern de Munique e como vencedor. Não admira que nessa sua estreia na grande competição continental para clubes o Eintracht tenha entrado de mansinho. Ninguém verdadeiramente apostava um chavo numa desconhecida equipa de um futebol que, apesar do título de campeão do Mundo em 1954, ainda se considerava francamente atrasado em relação aos das maiores potências da época.
Começou o Eintracht por defrontar o Young Boys de Berna e o apuramento foi fácil, com uma vitória tranquila na Suíça (4-1) e um empate (1-1) em casa, só para cumprir calendário. O sorteio não deixou de ser amigo dos alemães mantendo-os, nos quartos-de-final, praticamente em casa: o adversário foi o Wiener Sport Club, da Áustria, que criou chatices: 2-1 em Frankfurt; 1-1 em Viena. Em dois passos apenas, estavam aí as meias-finais, com o Rangers da Escócia a surgir como opositor de algum peso. Foi a vez do campeão germânico mostrar um poder de fogo que até aí não aparecera: vitórias por 6-1 em casa e por 6-3 em Glasgow, garantindo nova viagem a Glasgow para jogar a final no Hampden Park face ao tetracampeão Real Madrid.
Por seu lado, os espanhóis, que dominavam a Taça dos Campeões a seu bel-prazer, caminharam para a final batendo os luxemburgueses do Jeneusse d’Ech por 7-0 e 5-2; o Nice por 2-3 e 4-0 e o grande rival Barcelona por 3-1 e 3-1. Havia no ar como que uma promessa. Poucos adivinhariam de que espécie. Mais de 127 mil pessoas encheram o Hampden Park para assistir à final com mais golos de todos os tempos na história da competição. Até o recorde de espectadores continua, até agora, por bater. O árbitro, escocês, como convinha, foi Jack Alexander Mowat, um valente piloto da Royal Air Force profusamente medalhado pelas seus feitos durante a II Grande Guerra. Pode ser que não gostasse de alemães, mas acabou por não ser tido nem achado para o que se passou a seguir. O Eintracht, vestido de vermelho com mangas brancas, à Arsenal, e treinado por Paul Oßwald, um antigo centro campista do Minerva 93 Berlin e graduado como técnico pela Academia Alemã de Desportos, entrou em campo com a sua equipa habitual: Egon Loy; Friedel Lutz, Hermann Höffer, Heinz Weilbacher (capitão) e Heinz-Walter Heingenbrodt; Richard Kress, Dieter Stinka, Dieter Lindner e Erich Meier; Alfred Pfaff e Erwin Stein. Nomes que a memória coletiva esqueceu mas que o clube jamais esquecerá. Miguel Muñoz deixara de jogar e ocupava agora o lugar de comandante no banco do Real Madrid. Fez alinhar: Rogelio Dominguez; Marquitos, Paquín, José Maria Vidal e José Santamaria; Canário, José Maria Zárraga, Luis Del Sol e Paco Gento; Alfredo Di Stéfano e Ferenc Puskás. O que este dois fizeram nessa tarde de Glasgow foi de apavorar hipopótamos!
Poucos sabem, mas o jogo esteve por um fio. A Federação Alemã tinha um problema com o húngaro Ferenc Puskás que vinha da final do Mundial de 1954, quando o arredondado avançado do Real afirmara que a Hungria só perdera essa final porque os alemães tinham recorrido a estupefacientes. Puskás foi obrigado a escrever uma carta a pedir desculpa pelo ocorrido e o cenário acalmou. Não acalmou para o Eintracht que, apesar de ter tomado vantagem com um golo de Kress, aos 18 minutos, foi varrido por um vendaval branco: Di Stéfano empatou aos 20m e deu a volta ao marcador aos 23; em cima do intervalo, Puskás fez 3-1. O Real estava insaciável. Aos 56 minutos, Puskás fez 4-1 de penalti. Depois o 5-1 e o 6-1 aos 60 e 71. O público delirava com o à vontade e com o descaramento divino dos dois grandes avançados do Real Madrid. Aos 72 minutos, uma débil resposta por parte de Stein: 2-6. Di Stéfano não se fez esperar e marcou no minuto seguinte. Finalmente a tempestade branca abrandou e Stein ainda reduziu para 3-7 aos 75 minutos. Nunca se vira nada igual e nunca mais se viu. A primeira brigada alemã a chegar a uma final da Taça dos Campeões fora arrasada sem piedade.
Depois desse encontro histórico, o Real Madrid só voltou a ser campeão europeu em 1966. Em seguida entrou num vazio. Trinta e dois anos consecutivos sem levantar o troféu até vencer a Juventus na final de 1998, em Amesterdão. Parecia que o grande dominador da competição perdera o comboio das conquistas. Puro engano. Dessa época até hoje venceu mais sete taças e entrou no exagero de somar, até hoje, 14 vitórias e apenas três finais perdidas. Contra outro alemão, o Borussia de Dortmund, poderá chegar à 15ª. Mais do dobro do segundo maior vencedor, o Milan, que se orgulha das suas sete, mas está tão longe do poderio dos brancos.