O Nascer do SOL tem uma colaboração mensal online com a Nuclear Vision Portugal (https://www.nuclearvision.pt/p%C3%A1gina-inicial), um grupo de jovens que pretende esclarecer a população sobre o que é a Energia Nuclear e quais as suas vantagens.
Nos dias de hoje, a mineração é um tema frequentemente debatido, nomeadamente no que diz respeito à exploração de recursos como o lítio. Este assunto controverso é alvo de discussões entre políticos e o público em geral.
No entanto, no contexto da produção de energia nuclear, a exploração do urânio torna-se um tema importante. Este elemento é essencial e a sua extração levanta questões ambientais e económicas fundamentais para o futuro energético global.
A Realidade passada da exploração de Urânio em Portugal
Em tempos, Portugal foi um exportador de urânio importante para o resto do mundo. Este facto pode parecer chocante para alguns leitores, mas é verdade! Em particular, chegamos a exportar cerca de 4370 toneladas de urânio concentrado, também conhecido como yellowcake, para o Reino Unido, a França, os EUA e para o Iraque. No auge da exploração mineira de urânio, Portugal chegou a possuir cerca de 60 minas!
A exploração de substâncias radioativas em Portugal começou em 1907 com a exploração de rádio, um elemento raro usado na área da medicina e investigação científica. Como este elemento é um produto do decaimento radioativo do urânio, eram extraídas grandes quantidades deste, que eram rejeitadas, por não terem valor económico.
Contudo, com a descoberta da reação de fissão, o urânio passou a ser valorizado, começando a ser explorado nestas minas. Nos anos seguintes, várias minas de urânio surgiram em Portugal.
A principal mina de urânio que surgiu foi a mina da Urgeiriça, situada no distrito de Viseu. Graças a esta mina, esta região ganhou bastantes habitantes, desenvolvendo-se até bairros de mineiros e de engenheiros que trabalhavam na mina. Assim, toda uma comunidade se formou à volta da mina. Esta chegou a um total de 19 níveis e 500 metros de profundidade, sendo que esteve em funcionamento até 1991.
Mina da Urgeiriça
No início, exportávamos este minério na sua forma bruta, sem ser processado quimicamente. Contudo, em 1950/51, foi construída a Oficina de Tratamento Químico da Urgeiriça, onde este passou a ser processado, criando concentrado de urânio, também conhecido por yellowcake.
Devido à atividade neste setor e interesse em desenvolver a área da tecnologia nuclear, Portugal foi um dos membros fundadores da IAEA, a Agência Internacional de Energia Atómica.
Urânio no Mundo
Apesar de Portugal ter sido extremamente ativo na exploração da mineração de urânio, não se compara aos maiores produtores do mundo. Globalmente, há diversas reservas distribuídas pelos vários continentes. Dos vários países responsáveis pela mineração e produção de urânio, o Cazaquistão (43%), o Canadá (15%) e a Namíbia (11%) asseguram mais de 66% da produção de Urânio mundial. Por comparação, as maiores reservas encontram-se na Austrália (28%), Cazaquistão (13%) e Canadá (11%). Isto revela uma grande assimetria relativamente aos países que detêm as reservas e realizam a sua mineração.
Em 2022, a quantidade necessária para reatores nucleares superou em 35% a produção de urânio mundial. Isto aponta para a necessidade de aumentar a produção e a exploração de urânio pelo mundo inteiro. Assim, caso não haja o aumento da exploração deste recurso, o preço da energia pode aumentar e haverá uma maior necessidade de uso de fontes poluentes.
Da mesma forma que há uma grande variedade de distribuição geográfica, também o tipo de depósitos existentes são diferentes. Isto deve-se à forma variada como o urânio se pode depositar nas rochas envolventes.
Há diversos tipos de depósitos de urânio. Por exemplo, no Cazaquistão a maioria dos depósitos são sedimentares. No Canadá são “unconformity related”. E na Austrália são tanto “unconformity related” como complexos de breccias. Fundamentalmente, o urânio pode-se depositar pelos mais diversos estratos de rocha. É fundamental mencionar também que consoante o tipo de deposição, os métodos de extração são diferentes, e muitas vezes, o urânio é apenas um subproduto da produção primária. Por exemplo, na Austrália a produção de urânio está diretamente relacionada com a extração de cobre.
O tipo de minério e a idade do mesmo também depende do tipo de formação: pode ser encontrado em minério extremamente antigo, por exemplo depósitos em camadas metamórficas ou vulcânicas (granítico); camadas sedimentares formadas recentemente devido à precipitação de urânio.
As reservas globais de urânio são suficientes para alimentar os reatores nucleares por mais de 200 anos ao ritmo atual de consumo, segundo a Agência de Energia Nuclear (NEA). Com diferentes tecnologias, essa estimativa pode aumentar drasticamente: a reciclagem de combustível e uso de tecnologias como reatores rápidos podem aumentar a disponibilidade deste recurso em duas ordens de magnitude. Além disso, a extração de urânio do mar, embora atualmente não económica, poderia fornecer urânio por milhares de anos, e até milhões quando combinada com as tecnologias acima, garantindo uma fonte sustentável de energia nuclear no futuro.
O Processo
Existem três grandes formas de mineração de urânio. Pode ser feita a céu aberto, ou seja, removendo-se uma camada de solo superficial para aceder ao minério pretendido, ou caso esteja a maior profundidade, pode ser feita a mineração a subsolo. Normalmente, o primeiro processo é feito para profundidades não superiores a 150 metros, a passo que no segundo, têm de ser construídas galerias para aceder ao minério e é obtido através de perfuração e detonação. Por último, pode também ser feita lixiviação in situ, que consiste em dissolver o urânio presente no subsolo, sendo este posteriormente bombeado para a superfície. Este método só é utilizado quando o minério está contido em rochas porosas, para que a solução necessária para dissolver o urânio consiga fluir. É também importante que estas rochas porosas estejam entre duas camadas de rochas impermeáveis para que não haja o risco de contaminação de águas.
Representação do método de lixiviação In Situ
A economia do Urânio
O preço do urânio ao longo dos anos tem sido extremamente volátil, uma vez que depende de fatores como a oferta e a procura, bem como dos custos de produção. De facto, observamos períodos em que o preço se encontrava elevado, nomeadamente nas décadas de 1940 e 1950, devido ao interesse em armamento nuclear, bem como entre meados das décadas de 1960 e 1980, além do início dos anos 2000, quando o interesse pela expansão da energia nuclear civil era significativo. Em contrapartida, também assistimos a quedas no preço do urânio, como após os desastres de Chernobyl e Fukushima, momentos em que a opinião pública sobre a energia nuclear se encontrava desfavorável.
Atualmente, estamos a assistir novamente a um aumento do preço do urânio. Este aumento deve-se a um crescimento da procura, impulsionado pelo crescente interesse em energia nuclear. Um exemplo disso é a Declaration to Triple Nuclear Energy, assinada na COP28, contando com a adesão de mais de 20 países que se comprometeram a triplicar a capacidade de energia nuclear no mundo até 2050. Paralelamente, há uma diminuição da oferta devido a problemas como a restrição de importações provenientes da Rússia e uma escassez de ácido sulfúrico na Kazatomprom, no Cazaquistão, que é atualmente o maior produtor mundial.
Variação do preço do urânio ao longo dos anos
Impacto ambiental: a primeira consequência da exploração mineira
Tal como qualquer outra exploração mineira, a exploração de minas de urânio tem impacto no ambiente.
Em primeiro lugar, é necessário discutir o seu impacto nos corpos de água, sendo que a extração de minérios pode acidificar as águas e, em zonas onde o minério é processado, a água subterrânea fica contaminada por esta extração. Também pode ocorrer o aumento da concentração de materiais rochosos e metais pesados na água, e alteração do percurso dos corpos de água. No caso específico de exploração de urânio, as águas podem ficar com radioatividade mais elevada.
A poluição da água tende a ser o maior problema da exploração mineira, em especial a acidificação da água, que pode chegar a níveis que afetam a fauna e flora da região.
Além do impacto aquático, a exploração mineira acumula sedimentos e perturba os habitats das espécies locais, havendo também a possibilidade de contaminação radioativa do local para o caso do urânio. Por fim, a exploração mineira possui rejeitados que podem ser perigosos para o ambiente caso não sejam tratados de forma correta.
A atmosfera também é afetada por esta exploração com a libertação de diversas poeiras, diminuindo a visibilidade e piorando as condições de saúde de certos indivíduos mais suscetíveis, tal como pessoas que sofrem de asma.
No entanto, ao contrário de antigamente, existem nos dias de hoje fortes regulações e monitorização (tanto ambiental como de condições de trabalho), de modo a minimizar todos estes riscos. A água é tratada antes de ser libertada para o meio ambiente e a libertação de radiação é muito menor do que era no início da atividade mineira, visto que atualmente existem diversas regulações e proteções contra a radiação.
Impacto na saúde: a segunda consequência da exploração mineira
A exploração de urânio apresenta possíveis efeitos negativos à saúde, afetando tanto os mineiros como a população residente nas proximidades. Além dos riscos comuns a outras atividades mineiras, existem perigos específicos devido à natureza radioativa do urânio.
Existem evidências de que a exposição em altas quantidades ao radão e aos seus produtos de decaimento leva a cancro do pulmão e outras doenças respiratórias, sendo por isso crucial uma ventilação adequada nas minas subterrâneas. Estes produtos estão presentes nos rejeitos e, tal como mencionado anteriormente, podem contaminar fontes de água, aumentando o risco de cancro para a população que, de uma forma ou de outra, a ingerir. A saúde mental das comunidades próximas também pode ser afetada, devido à ansiedade e ao stress relacionados com a contaminação ambiental. No entanto, novamente graças às regulamentações mais rigorosas e à maior conscientização, esses riscos estão atualmente muito mais controlados do que em décadas anteriores.
Assim… onde ficamos?
Com esta análise feita, é possível observar que, tal como qualquer exploração mineira, a exploração do urânio tem problemas ambientais e sociais.
Contudo, não nos podemos esquecer dos benefícios que também traz e que trouxe a Portugal outrora, nem que as regulações modernas e boas práticas de mineração minimizam os impactos negativos. Assim, se algum dia Portugal decidir investir em energia nuclear, a abertura de algumas minas acaba por ser uma opção que deve ser seriamente considerada.
Referências
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[9] https://ourworldindata.org/nuclear-energy
[11]https://www.nei.org/news/2015/land-needs-for-wind-solar-dwarf-nuclear-plants
[12] https://www.energy.gov/ne/articles/3-reasons-why-nuclear-clean-and-sustainable
[15] https://euro-fusion.org/fusion/history-of-fusion
[16]https://link.springer.com/article/10.1007/s10653-013-9563-6
[17]https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/16027/1/ulsd069926_td_Maria_Gaspar.pdf
[18]https://www.ctn.tecnico.ulisboa.pt/memoria/press/fev2012_superinteressante-n166_nossoreactor.pdf
[19]https://www.ensreg.eu/country-profile/Portugal
[22]https://www.ejosdr.com/download/uranium-mining-techniques-and-waste-management-12273.pdf
[23]https://www.mining.com/uranium-jumps-to-15-year-high-as-top-miner-flags-shortfall/
[24]https://world-nuclear.org/information-library/nuclear-fuel-cycle/uranium-resources/supply-of-uranium
[25]https://www.nasdaq.com/articles/cop-28-uranium-and-the-energy-transition
[26]https://www.oecd-nea.org/upload/docs/application/pdf/2019-12/7063-mehium-es.pdf
[27]https://nap.nationalacademies.org/read/13266/chapter/8#133
[28]https://www.scientificamerican.com/article/how-long-will-global-uranium-deposits-last/
[29]https://encoreuranium.com/uranium/the-future-of-nuclear-e
André Filipe, José Mariano e Sofia Vidal, alunos de Engenharia Física e Tecnológica no Instituto Superior Técnico