A Shalva Band veio a Portugal celebrar o 76.º aniversário da criação do Estado de Israel. Constitui um exemplo poderoso de como a música pode ser uma ferramenta para a mudança social, promovendo a inclusão e celebrando a diversidade. Os membros deste grupo musical continuam a inspirar audiências em redor do mundo com a sua música e também a sua mensagem positiva. E em entrevista à LUZ garantem que não pensam em parar.

Os músicos com necessidades especiais enfrentam uma variedade de desafios únicos que podem impactar diferentes aspetos das suas carreiras musicais. Muitos enfrentam preconceitos e estigmas que subestimam as suas capacidades, dificultando a obtenção de oportunidades. Sabe-se que a indústria musical pode ser menos recetiva, criando barreiras adicionais para o reconhecimento e sucesso destes artistas. Por exemplo, podem precisar de mais tempo para aprender novas habilidades musicais devido a dificuldades cognitivas ou sensoriais e os métodos tradicionais podem não ser adequados, necessitando de adaptações personalizadas. Também pode haver escassez de recursos educacionais adaptados às necessidades específicas de aprendizagem. Para além disso, existe a questão da coordenação motora fina. Como é que alguém com problemas nesse campo pode tocar instrumentos como quem não tem desafios motores finos? E a resistência durante os ensaios e os concertos? Até o acesso a determinados locais pode ser difícil. Já para não falar nas dificuldades na comunicação verbal e até na linguagem corporal. Seria possível escrever muito mais acerca deste tema, mas é mais importante mostrar a Shalva Band, grupo israelita que prova todos os dias que é capaz de ultrapassar estes desafios.

Esta banda – que é afiliada ao Shalva National Center, uma organização de Israel dedicada ao apoio de pessoas com necessidades especiais e das suas famílias, sendo que a banda nasceu no seu seio – esteve em Portugal para atuar na celebração do 76.º aniversário do Estado de Israel. A LUZ teve a oportunidade de conversar com os membro desta banda, que se tornou um verdadeiro fenómeno em Israel e um pouco por todo o mundo. Assim, ficámos a saber que esta começou em 2005 quando um dos membros se feriu no exército.

«Magoei-me muito. Tiveram de me ensinar a comer e a andar. O começo da banda não é fácil. Não pude chegar ao pé de pessoas com necessidades especiais e começar a ensiná-las a tocar, a cantar. Levou muito tempo. Inicialmente, as pessoas diziam para desistir, que ninguém desejaria ouvir-nos. No entanto, tínhamos um sonho e acreditámos. Foi um processo extremamente longo, mas lutámos!», começa por explicar Shai Ben-Shushan, dando o exemplo do caso de Yair Vomberg, que tem síndrome de Down. «Demorei cerca de dois anos a ensiná-lo um ritmo. Mas, quando ele percebeu como é que se fazia… Agora toca como uma estrela de rock!», diz, explicando que Dina Samte e Anael Shira Khalifa são invisuais, mas também superam os desafios. «As pessoas vão a um concerto nosso e entendem o quão incrível é a música. Veem-nos como músicos, não como deficientes», frisa.

Mas conheçamos melhor a banda. Shai, o fundador e diretor musical, fundou a banda como parte da sua jornada de reabilitação pessoal após ter ficado gravemente ferido. Anael, uma das vocalistas, é invisual e começou a cantar aos cinco anos. Aos oito, mudou-se de França para Israel. Dina, da Índia, foi para Israel aos dez anos. Ficou cega aos seis e aprendeu hebraico por meio da música. Yair, que tem síndrome de Down, para além de tratar da percussão da banda tem outras atividades como trabalhar numa oficina de cerâmica. Já Yosef Ovadia, que toca bateria, foi diagnosticado com síndrome de Williams, que se caracteriza por traços faciais específicos e problemas de coordenação e equilíbrio. Para estes artistas, «a música é antes de tudo um remédio para a alma». Explicam à LUZ que, quando estão no palco, não se sentem limitados por nada. Simplesmente fazem aquilo que fazem de melhor.

«Não importa o idioma da música, cada música é amiga de todos. E não importa em que idioma se canta, qualquer tipo de música pode conectar todos. E graças à nossa música podemos viajar pelo mundo, o que é um grande privilégio», diz Shai, sendo que os restantes membros do grupo concordam com ele. «Nem o céu é o limite. O caminho é para a frente! E, apesar de termos percorrido um longo caminho, sentimos que este é só o início. Há muito mais que podemos oferecer!», evidencia, sendo que Yair realça: «Nem o céu é o limite!». E não é mesmo. Por exemplo, chegaram às fases finais do HaKokhav HaBa, uma espécie de American Idol israelita. «Foi muito emocionante. Foi muito bom! Nem sequer temos palavras para explicar. Por um lado, estivemos a competir. Mas, por outro, conectámo-nos com as pessoas! Recebemos tanto amor e tanta confiança a cada fase… Foi incrível!», destaca Anael.

A banda chegou aos estágios finais de qualificação, mas depois soube que seria obrigada a desobedecer à observância do Shabat durante os ensaios para a Eurovisão. Este é o dia de descanso do Judaísmo no sétimo dia da semana – ou seja, sábado. Neste dia, os judeus religiosos lembram-se das histórias bíblicas que descrevem a criação do céu e da terra em seis dias e a redenção da escravidão e o êxodo do Egito, e anseiam por uma futura Era Messiânica. Depois de refletirem, os membros da Shalva Band decidiram respeitar as crenças religiosas da banda e retiraram-se do HaKokhav HaBa. Contudo, foi convidada para se apresentar no intervalo da segunda semifinal da Eurovisão de 2019 e cantou/tocou uma cover de A Million Dreams. «Falámos uns com os outros com naturalidade porque amamo-nos mutuamente. Muitas pessoas disseram que poderíamos ter vencido a Eurovisão se tivéssemos atuado no concurso. Veem o amor, a paixão, a pureza! É por causa destes fatores que temos o sucesso que temos. Seguimos com a nossa verdade!», avança Shai, lembrando que, depois desse dia, a banda começou a atuar um pouco por todo o globo.

Também importa referir que, poucos dias antes de se ter apresentado na Eurovisão, a banda esteve na cerimónia de acendimento da tocha que abre as comemorações do Dia da Independência de Israel. «Comemorámos o aniversário do país com os melhores artistas de Israel. Todo o país viu! Foi muito emocionante. Ainda por cima, acendi uma das tochas. Sempre tive o sonho de avançar e desenvolver-me enquanto pessoa aqui. E entrar nesta banda foi a realização dos meus sonhos de infância», confessa Dina, recordando que, na Índia, chegou a estar sem ir à escola porque as pessoas pensavam que a sua cegueira era contagiosa. Assim, mudou-se para Israel e recomeçou a vida. «Recebi um enorme amor! Graças à música», diz, visivelmente feliz. «O relacionamento caloroso que tenho com os israelitas, com pessoas tão boas… O amor e o carinho que sempre senti deles ajudaram-me a crescer», declara. Já Anael, que emigrou de França, também não falava hebraico e teve aulas com pessoas que viam. Passou de uma turma de nove pessoas para uma de 30. No entanto, aprendeu hebraico em apenas três meses.

Também atuaram para personalidades como o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, no Israeli American Council, no estado norte-americano da Florida, sendo que decidiram ter coragem, ousadia e usá-las «de forma positiva». «Houve pessoas que disseram que não devíamos estar ali, mas desafiámos essas ideias e fomos! Foi mesmo algo muito especial para nós. Nem imaginei ver o presidente Trump a abraçar alguém como o Yair, que tem síndrome de Down. Tanto que ele ficou famoso no Twitter de Trump! Foi algo único», admite Shai, salientando que já tiveram outras experiências inesquecíveis como tocar com músicos israelitas famosos que influenciaram a sua carreira, como Shlomi Shabat ou Avraham Fried. São igualmente elogiados por personalidades internacionais como Demi Lovato – que passou um dia com eles – ou Jamie Foxx. Relativamente à primeira, esta expressou grande admiração pela Shalva Band. Em 2019, após assistir a uma performance da banda durante uma visita a Israel, partilhou as suas impressões nas redes sociais. «Hoje senti-me abençoada e honrada por me encontrar e ouvir com/a Shalva Band. São um grupo de músicos talentosos que têm necessidades especiais e a forma como atuam juntos é verdadeiramente inspiradora. A música deles tocou o meu coração e lembrou-me da força e da beleza que podem surgir quando damos às pessoas a oportunidade de brilhar».

Existem vários grupos musicais compostos por pessoas com necessidades especiais além da Shalva Band. O The Kaos Signing Choir for Deaf & Hearing Children é composto por crianças surdas e também por algumas que ouvem, sendo que se expressam através da linguagem gestual britânica e da música. Ficaram conhecidos pela sua participação na cerimónia de encerramento dos Jogos Paraolímpicos de Londres em 2012. A Rudely Interrupted é uma banda australiana de rock formada em 2006, composta por membros com diferentes tipos de necessidades especiais, incluindo autismo, síndrome de Down e deficiência visual. Já realizaram tours internacionais e lançaram vários álbuns. A Flame é uma banda americana formada por músicos com diversas necessidades, incluindo autismo, síndrome de Down e deficiência visual. Apresentam-se em eventos e conferências, e têm uma missão de inspirar e mostrar que todos têm talentos únicos. A The AutistiX constitui uma banda britânica formada por músicos com autismo, apoiados por músicos profissionais. São conhecidos pelas suas performances energéticas e pela promoção da consciencialização sobre o autismo. A Pertti Kurikan Nimipäivät (PKN) é uma banda punk finlandesa composta por músicos com necessidades intelectuais. Ganharam notoriedade ao representar a Finlândia na Eurovisão em 2015. Por fim, a Gamma Pulse é uma banda americana de metalcore com um vocalista autista, que utiliza a sua música para aumentar a consciencialização sobre o autismo e promover a aceitação.

Regressemos à Shalva Band. Em maio de 2023, apresentou-se no palco das Nações Unidas em Genebra, em homenagem ao 75º Dia da Independência de Israel, para centenas de diplomatas. A 4 de outubro desse mesmo ano, atuou num festival internacional de música com uma orquestra para cegos que acontece em Seoul, Coreia do Sul, no qual participaram vários países, incluindo Taiwan, Hong Kong, Tailândia, Japão e Coreia. «Como todos os outros artistas, queremos continuar a trabalhar e a criar músicas originais. É muito importante chegarmos ao maior número de lugares possível e difundirmos a nossa mensagem e dizermos em voz alta e com confiança que a música não tem limitações, não tem cor, não tem idade: é apenas uma melodia que conecta pessoas e corações», continua Shai, contando com a aprovação de todos. «Vivam com amor e acreditem nas pessoas. Graças à fé, ao amor e à força de vontade, a banda fez o que fez e conseguiu. O que tornará o mundo um lugar melhor», conclui, deixando uma mensagem ao público português: «Amamos-vos! Gostaríamos de vir cá muitas vezes. Adoramos a paisagem e a comida!».