O valor da liberdade…

Para se pensar, seria importante existir, mas Descartes põe na base da existência a própria ‘razão’, isto é, o pensamento.

Acredito que Immanuel Kant, o filósofo da Crítica da Razão Prática e da Crítica da Razão Pura, esteja, neste momento, a dar voltas imensas no túmulo em que o colocaram há séculos.

Num contexto de lutas de religião, em que Católicos e Protestantes se digladiavam, Kant apareceu procurou encontrar uma razão que vá além da razão religiosa onde as relações humanas se possam sustentar. Uma vez que a ética religiosa deixou de fazer sentido, seria necessário encontrar uma forma de entendimento sobre o agir humano que pudesse superar ser uma rocha firme para todos os homens.

‘Cogito, ergo sum’, que na língua portuguesa se deve traduzir por: ‘Penso, logo existo!’ Este aforismo é de René Descartes. Este ‘penso’, isto é, este pensamento, quer dizer, a ‘razão’ está na base da nossa existência. Isto é realmente estranho! Porque para se pensar, seria importante existir, mas Descartes põe na base da existência a própria ‘razão’, isto é, o pensamento. Porque, para os racionalistas, é preciso pensar, para existir.

Tenho já referido o que penso ser uma mudança de paradigma da existência humana. Hoje, já não mais consideramos o aforismo ‘eu penso, logo existo’ como o eixo central da existência, porque o principal seria, hoje, ‘eu sinto, logo existo’. A razão, nas últimas décadas, foi colocada de parte.

Que importa o que a razão me diz? Que importa se a razão, apoiada na ciência, me diz que um feto tem já um ADN independente da mãe e é mais do que uma bolha de sangue para ser considerado humano? Que importa que a razão me diga que que eu sou um homem se eu sinto que sou uma mulher? Que importa apoiar a minha existência na minha razão se o meu sentimento é a base de toda a existência?

O que estamos a assistir hoje no mundo assenta mais a existência no sentimento do que na razão! Se não acreditamos nisto, vejamos o que está a acontecer no mundo!

A razão diz-nos que temos de respeitar as mulheres, tal como respeitamos os homens. A razão diz-nos que se os homens podem andar livremente na rua e vestir o que quiserem, assim, também, as mulheres. A razão diz-nos que se os homens podem estudar, também as mulheres o podem. A razão diz-nos que se os heterossexuais podem viver livremente, com todos os seus direitos, também os homossexuais e os não binários e os queers e os demais géneros o podem viver.

Se a razão nos diz que os homens e as mulheres não podem ser submetidos a sofrimento incruel, tal como todos os animais e plantas, como podemos defender que haja gente que ande vestida da cabeça aos pés como se fosse uma ovelha por tosquiar? Como podemos defender que haja mulheres enjauladas nas suas burcas, como se fosse um animal de estimação? Como podemos pensar em sociedades em que a vida humana seja menos válida do que tudo o que existe no mundo?

As manifestações pró-Palestina, que têm surgido nos últimos tempos, têm como base a razão ou a sensação e o sentimento? Será que alguma vez aqueles que defendem uma ‘Free Palestina’ pensaram em libertar a Palestina do poder dos Israelitas ou do poder do Hamas e do Islão? Será que, uma vez ‘libertada’ a Palestina do poder de Israel (que eu nem sei o que isso significa) as mulheres, os homossexuais e queers e não o mais o quê estarão livres do Islão? Será que no dia em que as tropas de Israel deixarem Gaza, haverá uma imigração em massa de todas as mulheres e minorias sexuais e minorias cristãs e hindus e etc. para a Faixa de Gaza para serem livres?

Estaremos nós a falar verdade? Será que os jovens das universidades americanas e portuguesas estão mesmo disponíveis para deixarem tudo e irem tratar dos palestinianos? Será que querem ir para lá libertar os palestinianos do poder de Israel e do poder do Hamas e do Islão, de forma a que as pessoas possam lá, como cá, ser livres de decidirem ser o que pretendem ser? É isto que pretendem?

Deixemo-nos de parvoíces e de comunismos. É verdade que Israel não é uma casa de santos, mas também é verdade que precisamos de procurar assentar as nossas razões na razão pura para que não nos deixemos afetar pelos sentimentos que contrariam todas as razões que defendemos.