A história ensina que os momentos de alterações do sistema internacional são sempre períodos de possíveis conflitos entre as potências. É preciso perceber que é um desses momentos que o mundo está a viver, desde o final da primeira década deste século.
A gestão dessas transições sistémicas deve, como tal, ser realizada ‘com pinças’, evitando conflitos entre potências. Quando a Rússia e a China dizem querer mudar as regras do sistema internacional estão a afirmar que as regras não as servem. Ao mesmo tempo, quando do lado ocidental se critica as afirmações daqueles, significa que se defendem as regras que sentem ser melhores para si e para os seus interesses.
Quem está de fora deve fazer um esforço de distanciamento e analisar os factos com racionalidade e frieza. Quando a Rússia ataca a Ucrânia está a violar o direito internacional? Objetivamente, sim! Mas, quando os EUA buscam Osama Bin Laden no Paquistão, sem autorização prévia, ou quando abatem o general Qasem Soleimani, comandante da Guarda Revolucionária do Irão, em Bagdad, não estão também a violar o direito internacional? Estão!
Não podemos aceitar que umas violações são boas e outras más. Como não podemos aceitar que, quando umas potências violam esse direito são boas, porque são nossas ‘amigas’, e outras são más porque, ainda que não sendo nossas ‘amigas’, são nossas aliadas, ou porque são ocidentais – conceito, aliás, quase sempre de definição de conveniência.
O comportamento das potências é, quase sempre, o de quem está ‘acima do bem e do mal’. Portugal não é uma potência e deve procurar saber onde está o seu ‘interesse nacional’. Lord Palmerston, ex-primeiro-ministro, explicou que a Inglaterra «não tem aliados eternos, nem inimigos perpétuos. Nossos interesses são eternos e perpétuos, a nossa obrigação é vigiá-los.» Nenhum Estado tem. Portugal soube existir durante quase duas Eras, tem o dever de olhar para a história como professora, percebendo que ‘atrás de tempo, tempo vem’.
O ‘euromundo’ acabou em 1955, explicado aos europeus na guerra do Suez. O ‘mundo ocidental’ acabou quando a globalização chegou.
Os ‘ventos de guerra’ que se sentem, devem ser utilizados, pelos europeus, para preparar junto das opiniões públicas os investimentos em forças armadas que sejam capazes de dissuadir ataques de terceiros e de nos defender em situação limite. Isto é, devem servir os nossos interesses. É preciso evitar confundir adversários com inimigos e, sobretudo, inventar estes últimos.
Os processos de demonização dos outros, e a falta de reconhecimento dos seus interesses leva a que seja altamente complexo ‘vender’, posteriormente, a sua acomodação. Depois da guerra da Ucrânia, a Rússia continuará a existir, como a China também. Queremos, ou não, relacionar-nos com ambas?
Curiosamente, este processo acontece quando os EUA, nosso principal aliado, está num processo político interno do qual pode sair um Presidente que não concorda com as premissas de política externa nas quais estamos a embarcar.
Escrevi, já algumas vezes, sobre a necessidade das decisões europeias em matéria de segurança e defesa terem autonomia estratégica em relação aos EUA, sob pena de estarmos a prosseguir interesses que não os nossos, fazendo o papel de ‘idiota útil’.
A boa notícia é que a Rússia, por falta de alternativa, faz o mesmo papel com a China: tornou-se um instrumento da sua política externa. A vida é muito irónica, e a dependência traz sempre uma fatura pesada.