Querida avó,
Que dias intensos tivemos na Feira do Livro de Lisboa. É sempre bom ouvir a opinião das pessoas em relação ao nosso ‘Diário’ e às crónicas que escrevemos, semanalmente, para o Jornal Nascer do Sol.
Curiosamente, aquilo que começou com uma ‘brincadeira’, ao longo destes anos tornou-se numa ‘coisa séria’.
Ainda fico boquiaberto com a quantidade pessoas que vão à Feira do Livro, com o objetivo de nos encontrarem e terem um exemplar do nosso livro autografado.
Adoro as sugestões que nos dão para abordarmos em crónicas futuras. Sinal de que estamos a deixar um registo, por escrito, de memórias que não devem ser esquecidas.
Curiosamente, uma das leitoras do nosso ‘Diário’, falou-me das ‘Manas Perliquitetes’. Tu mesmo já me tinhas falado de Carolina Amália e Josefina Adelaide, filhas de um abastado comerciante da Baixa Lisboeta que nasceram um século antes de ti.
Recordo-me de, em 2017, ter visto na série Vidago Palace exibida na RTP1, as atrizes Maria Henrique e Custódia Gallego a representarem estas irmãs.
Viveram na infância numa casa apalaçada na Rua de S. Bento, mas quando o pai morreu a família estava já em bancarrota, devido aos gastos exorbitantes de um irmão.
Quem as batizou como ‘Manas Perliquitetes’ foi um vizinho, depois de se terem mudado para um andar perto da Escola Politécnica.
Na época eram tão conhecidas que foram retratadas por Bordallo Pinheiro nas revistas humorísticas e em livros sobre Lisboa da época.
Como diz o ditado ‘Vão-se os anéis, mas ficam os dedos’. Os adornos excessivos, que lhes deram fama, foram sendo substituídos por outros mais simples.
A miséria foi tanta que Josefina Adelaide ficou sozinha após a morte da irmã e acabou pobre e pedinte. Morreu com tuberculose em 1907 e foi enterrada com ajuda de um peditório feito pelo jornal O Século, imagina.
A vida dá muitas voltas!
Bjs
Querido neto,
Estou tão habituada a viver na Ericeira que, cada vez que vou a Lisboa, sinto que estou numa terra estranha, onde as pessoas conseguem viver sem terem o mar à porta de casa, sem um carteiro que vá levar a nossa correspondência onde quer que a gente esteja, onde as portas de casa têm de estar bem fechadas e não apenas no trinco, onde, se nós não estamos na rua às 9 da manhã, ninguém telefona a perguntar se aconteceu alguma coisa, etc., etc.
Como sabes, aguentar cinco!!! dias em Lisboa não foi pêra doce. Mas pronto, como eu costumava ouvir dizer em miúda, ‘o que tem de ser tem muita força’. Obrigada por teres estado sempre ao lado desta avó que tanto te ama.
A nossa editora ‘matava-me’ se eu não estivesse na abertura da Feira do Livro — e a que nunca me lembro de ter faltado, desde miúda, quando nem sonhava que um dia iria escrever livros.
Lembro-me de, então, a Feira ser nos passeios da Av. da Liberdade, o que era um perigo, com os carros a passarem mesmo juntinhos a nós, nem percebo como nunca ali houve um acidente.
Claro que estar na Feira também tem as suas coisas boas, por exemplo, beijocar o Marcelo e Carlos Moedas (que inauguram sempre a Feira do Livro), de quem sou amiga há muito tempo. Só que o Marcelo atrasou-se, e este ano a Feira foi inaugurada já depois das oito da noite, com tudo escuro e já nem nos conseguíamos ver bem uns aos outros.
Voltei finalmente à Ericeira!!
Escrevo-te esta carta, no meu poiso, junto ao mar.
Apesar de ter acabado estes dias estafada, o balanço é sempre muito bom! Perdi a conta aos autógrafos que dei, aos livros assinados e amigos encontrados nos dias da Feira do Livro. Graças a ti, voltei com o voto já entregue nas eleições antecipadas, agora é só olhar para o mar, descansar, e ler O Cemitério dos Eternos Prazeres, o último livro do meu amigo Domingos Amaral (e por isso mesmo o único livro dele que não tinha).
Bjs